Revolução Russa de 1917 – Anarquismo

Revolução Russa de 1917 - Anarquismo

A Revolução Russa de 1917 foi um período de conflitos, iniciados em 1917, que derrubou a autocracia russa e levou ao poder o Partido Bolchevique, de Vladimir Lênin. Recém-industrializada e sofrendo com a Primeira Guerra Mundial, a Rússia tinha uma grande massa de operários e camponeses trabalhando muito e ganhando pouco. Além disso, o governo absolutista do czar Nicolau II desagradava o povo, que queria uma liderança menos opressiva e mais democrática. A soma dos fatores levou a manifestações populares que fizeram o monarca renunciar e, no fim do processo, deram origem à União Soviética, o primeiro país socialista do mundo, que durou até 1991.

Anarquismo na Rússia

A Revolução compreendeu duas fases distintas:

A Revolução de Fevereiro (março de 1917, pelo calendário ocidental), que derrubou a autocracia do Czar Nicolau II , o último Czar a governar, e procurou estabelecer em seu lugar uma república de cunho liberal.
A Revolução de Outubro (novembro de 1917, pelo calendário ocidental), na qual o Partido Bolchevique, derrubou o governo provisório e impôs o governo socialista soviético.

Antecedentes

Não queremos lutar, mas defenderemos os sovietes
“Não queremos lutar, mas defenderemos os sovietes!”

Até 1917, o Império Russo foi uma monarquia absolutista. A monarquia era sustentada principalmente pela nobreza rural, dona da maioria das terras cultiváveis. Das famílias dessa nobreza saíam os oficiais do exército e os principais dirigentes da Igreja Ortodoxa Russa.

Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, a Rússia tinha a maior população da Europa, com cerca de 171 milhões de habitantes em 1904. Defrontava-se também com o maior problema social do continente: a extrema pobreza da população em geral. Enquanto isso, as ideologias liberais e socialistas penetravam no país, desenvolvendo uma consciência de revolta contra os nobres. Entre 1860 e 1914, o número anual de estudantes universitários cresceu de 5000 para 69000, e o número de jornais diários cresceu de 13 para 856.

A população do Império Russo era formada por povos de diversas etnias, línguas e tradições culturais. Cerca de 80% desta população era rural e 90% não sabiam ler e escrever, sendo duramente explorada pelos senhores feudais. Com a industrialização foi-se estabelecendo progressivamente uma classe operária, igualmente explorada, mas com maior capacidade reivindicativa e aspirações de ascensão social. A situação de extrema pobreza e exploração em que vivia a população tornou-se assim um campo fértil para o florescimento de ideias socialistas.

A decadência da monarquia czarista

Para entender as causas da Revolução Russa, é fundamental conhecer o desenvolvimento básico das estruturas socioeconômicas na Rússia, durante o governo dos três últimos czares.

Alexandre II (1858 – 1881)

Alexandre II

Alexandre II tinha consciência da necessidade de se promover reformas modernizadoras no país, para aliviar as tensões sociais internas e transformar a Rússia num Estado mais respeitado internacionalmente. Com sua política reformista, Alexandre II promoveu, por exemplo:

a abolição da servidão agrária, beneficiando cerca de 40 milhões de camponeses que ainda permaneciam submetidos ao mais cruel sistema de exploração de seu trabalho;
o incentivo ao ensino elementar e a concessão de autonomia acadêmica às universidades;
a concessão de maior autonomia administrativa aos diferentes governos das províncias.

Mesmo sem provocar alterações significativas na estrutura social existente na Rússia, a política reformista do czar encontrou forte oposição das classes conservadoras da aristocracia, extremamente sensíveis a quaisquer perdas de privilégios sociais em favor de concessões ao povo.

Apesar das medidas reformistas, o clima de tensão social continuava aumentando entre os setores populares. A terra distribuída aos camponeses era insuficiente, estando fortemente concentrada nas mãos de uma aristocracia latifundiária. A esta faltavam no entanto recursos técnicos e financeiros para uma modernização da agricultura. Esses problemas se traduziam na baixa produtividade agrícola, que provocava freqüentes crises de abastecimentos alimentares, afetando tanto os camponeses como a população urbana.

Em 1881, o czar Alexandre II foi assassinado por um dos grupos de oposição política (os Pervomartovtsky) que lutavam pelo fim da monarquia vigente, responsabilizada pela situação de injustiça social existente.

Alexandre III (1881 – 1894)

Após o assassinato de Alexandre II, as forças conservadoras russas uniram-se em torno do novo czar, Alexandre III, que retomou o antigo vigor do regime monárquico absolutista.

Alexandre III concedeu grandes poderes à polícia política do governo (Okhrana), que exercia severo controle sobre os setores educacionais, imprensa e tribunais, além dos dois importantes partidos políticos (Narodnik e o Partido Operário Social-Democrata Russo), que queriam acabar com a autocracia passaram a atuar na clandestinidade.

Impedidos de protestar contra a exploração de que eram vítimas, camponeses e trabalhadores urbanos continuaram sob a opressão da aristocracia agrária e dos empresários industriais. Estes, associando-se a capitais franceses, impulsionavam o processo de industrialização do país. Apesar da repressão política comandada pela Okhrana, as ideias socialistas eram introduzidas no país por intelectuais preocupados em organizar a classe trabalhadora.

Alexandre III faleceu em 1894.

Nicolau II (1894 – 1918)

Nicolau II, o sucessor de Alexandre III, procurou facilitar a entrada de capitais estrangeiros para promover a industrialização do país, principalmente da França, da Alemanha, da Inglaterra e da Bélgica. Esse processo de industrialização ocorreu posteriormente à da maioria dos países da Europa Ocidental. O desenvolvimento capitalista russo foi ativado por medidas como o início da exportação do petróleo, a implantação de estradas de ferro e da indústria siderúrgica.

Os investimentos industriais foram concentrados em centros urbanos populosos, como Moscovo, São Petersburgo, Odessa e Kiev. Nessas cidades, formou-se um operariado de aproximadamente 3 milhões de pessoas, que recebiam salários miseráveis e eram submetidas a jornadas de 12 a 16 horas diárias de trabalho, não recebiam alimentação e trabalhavam em locais imundos, sujeitos a doenças. Nessa dramática situação de exploração do operariado, as ideias socialistas encontraram um campo fértil para o seu florescimento.

O Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR)

Stálin, Lênin e Mikhail Kalinin em 1919.
Stálin, Lênin e Mikhail Kalinin em 1919.

Com o desenvolvimento da industrialização e o maior relacionamento com a Europa Ocidental, a Rússia recebeu do exterior novas correntes políticas que chocavam com o antiquado absolutismo do governo russo. Entre elas destacou-se a corrente inspirada no marxismo, que deu origem ao Partido Operário Social-Democrata Russo.

O POSDR foi violentamente combatido pela Okhrana. Embora tenha sido desarticulado dentro da Rússia em 1898, voltou a organizar-se no exterior, tendo como líderes principais Gueorgui Plekhanov, Vladimir Ilyich Ulyanov (conhecido como Lênin) e Lev Bronstein (conhecido como Trotsky).

A divisão do Partido: Mencheviques e Bolcheviques

Em 1903, divergências quanto à forma de ação levaram os membros do partido POSDR a se dividir em dois grupos básicos:

os mencheviques: liderados por Martov, defendiam que os trabalhadores podiam conquistar o poder participando normalmente das atividades políticas. Acreditavam, ainda, que era preciso esperar o pleno desenvolvimento capitalista da Rússia e o desabrochar das suas contradições, para se dar início efetivo à ação revolucionária. Como esses membros tiveram menos votos em relação ao outro grupo, ficaram conhecidos como mencheviques, que significa minoria.
os bolcheviques: liderados por Lenin, defendiam que os trabalhadores somente chegariam ao poder pela luta revolucionária. Pregavam a formação de uma ditadura do proletariado, na qual também estivesse representada a classe camponesa. Como esse grupo obteve mais adeptos, ficou conhecido como bolchevique, que significa maioria. Trotsky, que inicialmente não se filiou a nenhuma das facções, aderiu aos bolcheviques mais tarde, em 1917.

A Revolta de 1905: o ensaio para a revolução

Em 1904, a Rússia, que desejava expandir-se para o oriente, entrou em guerra contra o Japão devido à posse da Manchúria, mas foi derrotada. A situação socioeconômica do país agravou-se e o regime político do czar Nicolau II foi abalado por uma série de revoltas, em 1905, envolvendo operários, camponeses, marinheiros (como a revolta no navio couraçado Potemkin) e soldados do exército. Greves e protestos contra o regime absolutista do czar explodiram em diversas regiões da Rússia. Em São Petersburgo, foi criado um soviete (conselho operário) para auxiliar na coordenação das várias greves e servir de palco de debate político.

Diante do crescente clima de revolta, o czar Nicolau II prometeu realizar, pelo Manifesto de Outubro, grandes reformas no país: estabeleceria um governo constitucional, dando fim ao absolutismo, e convocaria eleições gerais para o parlamento (a Duma), que elaboraria uma constituição para a Rússia. Os partidos de orientação liberal burguesa (como o Partido Constitucional Democrata ou Partido dos Cadetes) deram-se por satisfeitos com as promessas do czar, deixando os operários isolados.

Terminada a guerra contra o Japão, o governo russo mobilizou as suas tropas especiais (cossacos) para reprimir os principais focos de revolta dos trabalhadores. Diversos líderes revolucionários foram presos, desmantelando-se o Soviete de São Petersburgo. Assumindo o comando da situação, Nicolau II deixou de lado as promessas liberais que tinha feito no Manifesto de Outubro. Apenas a Duma continuou funcionando, mas com poderes limitados e sob intimidação policial das forças do governo.

A Revolução Russa de 1905, mais conhecida como “Domingo Sangrento”, tinha sido derrotada por Nicolau II, mas serviu de lição para que os líderes revolucionários avaliassem seus erros e suas fraquezas e aprendessem a superá-los. Foi, segundo Lenin, um ensaio geral para a Revolução Russa de 1917.

Revolução de 1917

 Palácio Tauride, sede da Duma e posteriormente do Governo Provisório e do Soviete de Petrogrado.
Palácio Tauride, sede da Duma e posteriormente do Governo Provisório e do Soviete de Petrogrado.

A queda do Czar e o processo revolucionário

Mesmo abatida pelos reflexos da derrota militar frente ao Japão, a Rússia envolveu-se em um outro grande conflito, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em que também sofreu pesadas derrotas nos combates contra os alemães. A longa duração da guerra provocou crise de abastecimento alimentar nas cidades, desencadeando uma série de greves e revoltas populares. Incapaz de conter a onda de insatisfações, o regime czarista mostrava-se intensamente debilitado.
Palácio Tauride, sede da Duma e posteriormente do Governo Provisório e do Soviete de Petrogrado.

Numa das greves em Petrogrado (actualmente São Petersburgo, então capital do país), Nicolau II toma a última das suas muitas decisões desastrosas: ordena aos militares que disparem sobre a multidão e contenham a revolta. Partes do exército, sobretudo os soldados, apoiaram a revolta. A violência e a confusão nas ruas tornam-se incontroláveis. Segundo o jornalista francês Claude Anet, em São Petersburgo cerca de 1500 pessoas foram mortas e cerca de 6 mil ficaram feridas.

Em 15 de março de 1917, o conjunto de forças políticas de oposição (liberais burguesas e socialistas) depuseram o czar Nicolau II, dando início à Revolução Russa. O czar foi posteriormente executado, e sua família, composta pela mulher, quatro filhas e um filho, ficaram em prisão domiciliar porém também foram executados posteriormente.

Revolução de Fevereiro ou Revolução Branca

A primeira fase, conhecida como Revolução de Fevereiro, ocorreu de março a novembro de 1917.

Em 23 de Fevereiro (C.J.) (8 de Março, C.G.), uma série de reuniões e passeatas aconteceram em Petrogrado, por ocasião do Dia Internacional das Mulheres. Nos dias que se seguiram, a agitação continuou a aumentar, recebendo a adesão das tropas encarregadas de manter a ordem pública, que se recusavam a atacar os manifestantes.

No dia 27 de Fevereiro (C.J.), um mar de soldados e trabalhadores com trapos vermelhos em suas roupas invadiu o Palácio Tauride, onde a Duma se reunia. Durante a tarde, formaram-se dois comités provisórios em salões diferentes do palácio. Um, formado por deputados moderados da Duma, se tornaria o Governo Provisório. O outro era o Soviete de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados e militantes socialistas de várias correntes.

Temendo uma repetição do Domingo Sangrento, o Grão-Duque Mikhail ordenou que as tropas leais baseadas no Palácio de Inverno não se opusessem à insurreição e se retirassem. Em 2 de Março, cercado por amotinados, Nicolau II assinou sua abdicação.

Após a derrubada do czar, instalou-se o Governo Provisório, comandado pelo príncipe Georgy Lvov, um latifundiário, e tendo Aleksandr Kerenski como ministro da guerra. Era um governo de caráter liberal burguês, comprometido com a manutenção da propriedade privada, e interessado em manter a participação russa na Primeira Guerra Mundial. Enquanto isso, o Soviete de Petrogrado reivindicava para si a legitimidade para governar. Já em 1 de Março, o Soviete ordenava ao exército que lhe obedecesse, em vez de obedecer ao Governo Provisório. O Soviete queria dar terra aos camponeses, um exército com disciplina voluntária e oficiais eleitos democraticamente, e o fim da guerra, objetivos muito mais populares do que os almejados pelo Governo Provisório.

Com ajuda alemã, Lenin regressa à Rússia em abril (C.J.), pregando a formação de uma república dos sovietes, bem como a nacionalização dos bancos e da propriedade privada. O seu principal lema era: Todo o poder aos sovietes8 .

Entretanto, o processo de desintegração do Estado russo continuava. A comida era escassa, a inflação bateu a casa dos 1.000 %, as tropas desertavam da fronte matando seus oficiais, propriedades da nobreza latifundiária eram saqueadas e queimadas. Nas cidades, conselhos operários foram criados na maioria das empresas e fábricas.A Rússia ainda continuava na guerra.

Revolução de Outubro ou Revolução Vermelha

O cruzador Aurora, navio que ajudou os bolcheviques a conquistar São Petersburgo, na época...
O cruzador Aurora, navio que ajudou os bolcheviques a conquistar São Petersburgo, na época…

A segunda fase, conhecida como revolução de Outubro, teve início em novembro de 1917.

Na madrugada do dia 25 de outubro os bolcheviques, liderados por Lênin, Zinoviev e Radek, com a ajuda de elementos anarquistas e Socialistas Revolucionários, cercaram a capital, onde estavam sediados o Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado. Muitos foram presos, mas Kerenski conseguiu fugir. À tarde, numa sessão extraordinária, o Soviete de Petrogrado delegou o poder governamental ao Conselho dos Comissários do Povo, dominado pelos bolcheviques. O Comitê Executivo do mesmo Soviete de Petrogrado rejeitou a decisão dessa assembleia e convocou os sovietes e o exército a defender a Revolução contra o golpe bolchevique. Entretanto, os bolcheviques predominaram na maior parte das províncias de etnia russa. O mesmo não se deu em outras regiões, tais como a Finlândia, a Polônia e a Ucrânia.

Em 3 de novembro, um esboço do Decreto sobre o Controle Operário foi publicado. Esse documento instituía a autogestão em todas as empresas com cinco ou mais empregados. Isto acelerou a tomada do controle de todas as esferas da economia por parte dos conselhos operários, e provocou um caos generalizado, ao mesmo tempo que acelerou ainda mais a fuga dos proprietários para o exterior. Mesmo Emma Goldman viria a reconhecer que as empresas que se encontravam em melhor situação eram justamente aquelas em que os antigos proprietários continuavam a exercer funções gerenciais. Entretanto, este decreto levou a classe trabalhadora a apoiar o recém-criado e ainda fraco regime bolchevique, o que possivelmente teria sido o seu principal objetivo. Durante os meses que se seguiram, o governo bolchevique procurou então submeter os vários conselhos operários ao controle estatal, por meio da criação de um Conselho Pan-Russo de Gestão Operária. Os anarquistas se opuseram a isto, mas foram voto vencido.

...e atualmente, como museu em São Petersburgo.
…e atualmente, como museu em São Petersburgo.

Era consenso entre todos os partidos políticos russos de que seria necessária a criação de uma assembleia constituinte, e que apenas esta teria autoridade para decidir sobre a forma de governo que surgiria após o fim do absolutismo. As eleições para essa assembleia ocorreram em 12 de novembro de 1917, como planejado pelo Governo Provisório, e à exceção do Partido Constitucional Democrata, que foi perseguido pelos bolcheviques, todos os outros puderam participar livremente. Os socialistas revolucionários receberam duas vezes mais votos do que os bolcheviques, e os partidos restantes receberam muito poucos votos. Em 26 de dezembro, Lênin publicou suas Teses sobre a assembleia constituinte, onde ele defendia os sovietes como uma forma de democracia superior à assembleia constituinte. Até mesmo os membros do partido bolchevique compreenderam que preparava-se o fechamento da assembleia constituinte, e a maioria deles foram contra isto, mas o Comitê Central do partido ordenou-lhes que acatassem a decisão de Lênin.

Na manhã de 5 de janeiro de 1918, uma imensa manifestação pacífica a favor da assembleia constituinte foi dissolvida à bala por tropas leais ao governo bolchevique. A assembleia constituinte, que se reuniu pela primeira vez naquela tarde, foi dissolvida na madrugada do dia seguinte. Pouco a pouco, se tornou claro que os bolcheviques pretendiam criar uma ditadura para si, inclusive contra os partidos socialistas revolucionários. Isto levou os outros partidos a atuarem na ilegalidade, sendo que alguns deles passariam à resistência armada ao governo.

Durante este período, o governo bolchevique tomou uma série de medidas de impacto, como:

Pedido de paz imediata: em março de 1918 foi assinado, com a Alemanha, o Tratado de Brest-Litovski, no qual a Rússia abriu mão do controle sobre a Finlândia, Países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), Polônia, Bielorrússia e Ucrânia, bem como de alguns distritos turcos e georgianos antes sob seu domínio.
Confisco de propriedades privadas: grandes propriedades foram tomadas dos aristocratas e da Igreja Ortodoxa, para serem distribuídas entre o povo.
Declaração do direito nacional dos povos: o novo governo comprometeu-se a acabar com a dominação exercida pelo governo russo sobre regiões tais como a Finlândia, a Geórgia ou a Armênia.
Estatização da economia: o novo governo passou a intervir diretamente na vida econômica, nacionalizando diversas empresas.

Guerra civil

Durante o curto período em que os territórios cedidos no Tratado de Brest-Litovski estiveram em poder do exército alemão, as várias forças antibolcheviques puderam organizar-se e armar-se. Estas forças dividiam-se em três grupos que também lutavam entre si: 1) czaristas , 2) liberais, eseritas e metade dos socialistas e 3) anarquistas. Com a derrota da Alemanha em 1919, esses territórios tornaram-se novamente alvo de disputa, bem como bases das quais partiriam forças que pretendiam derrubar o governo bolchevique.

Ao mesmo tempo, Trotsky se ocupou em organizar o novo Exército Vermelho. Com a ajuda deste, os bolcheviques mostraram-se preparados para resistir aos ataques do também recém formado Exército polonês, dos Exércitos Brancos de Denikin, Kolchak, Yudenich e Wrangel (que se dividiam entre as duas primeiras facções citadas no parágrafo anterior), e também para suprimir o Exército Insurgente de Makhno e a Revolta de Kronstadt, ambos de forte inspiração anarquista. No início de 1921, encerrava-se a guerra civil, com a vitória do Exército Vermelho. O Partido Bolchevique, que desde 1918 havia alterado sua denominação para Partido Comunista, consolidava a sua posição no governo.

Criação da União Soviética

Brasão de armas da URSS
Brasão de armas da URSS

Terminada a guerra civil, a Rússia estava completamente arrasada, com graves problemas para recuperar sua produção agrícola e industrial. Visando promover a reconstrução do país, Lenin criou, em fevereiro de 1921, a Comissão Estatal de Planificação Econômica ou GOSPLAN, encarregada da coordenação geral da economia do país. Pouco tempo depois, em março de 1921, adaptou-se um conjunto de medidas conhecidas como Nova Política Econômica ou NEP. Entre as medidas tomadas pela NEP destacam-se: liberdade de comércio interno, liberdade de salário aos trabalhadores, autorização para o funcionamento de empresas particulares e permissão de entrada de capital estrangeiro para a reconstrução do país. O Estado russo continuou, no entanto, exercendo controle sobre setores considerados vitais para a economia: o comércio exterior, o sistema bancário e as grandes indústrias de base.
O Governo Operário na União Soviética

Desde 1918, após uma tentativa de assassinato de Lenin no mês de agosto com a participação de membros do partido Socialista, encarregou-se de combater as facções de oposição no interior do Partido e de garantir os postos importantes da administração estatal para pessoas da inteira confiança do regime, o que foi por ele utilizado para impor à administração interna a hegemonia do seu grupo pessoal.

Em dezembro de 1922, foi organizado um congresso geral de todos os sovietes, ocorrendo a fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O governo da União, cujo órgão máximo era o Soviete Supremo (Legislativo), passou a ser integrado por representantes das diversas repúblicas.

Competia ao Soviete Supremo eleger um comitê executivo (Presidium), dirigido por um presidente a quem se reservava a função de chefe de estado. Competiam ao governo da União as grandes tarefas relativas ao comércio exterior, política internacional, planificação da economia, defesa nacional, entre outros.

Paralelamente a essa estrutura formal, estava o Partido Comunista, que controlava, efetivamente, o poder da URSS. Sua função era controlar os órgãos estatais, estimulando sua atividade e verificando sua lealdade e manter os dirigentes em contato permanente com as massas. Também assegurava à população a difusão das ideologias vindas da alta cúpula.

A ascensão de Stálin

Lênin, o fundador do primeiro Estado socialista, morreu em janeiro de 1924. Teve início, então, uma grande luta interna pela disputa do poder soviético. Num primeiro momento, entre os principais envolvidos nesta disputa pelo poder figuravam Trotski e Stalin.

Trotski defendia a tese da revolução permanente, segundo a qual o socialismo somente seria possível se fosse construído à escala internacional. Ou seja, a revolução social deveria ser levada à Europa e ao mundo.

Opondo-se a tese trotskista, Stalin defendia a construção do socialismo num só país. Pregava que os esforços por uma revolução permanente comprometeriam a consolidação interna do socialismo na União Soviética.

A tese de Stalin tornou-se vitoriosa. Foi aceita e aclamada no XIV Congresso do Partido Comunista.

Trotski foi destituído das suas funções como comissário de guerra, expulso do Partido e, em 1929, deportado da União Soviética3 . Tempos depois, em 1940, foi assassinado no México, a mando de Stalin3 , por um agente de segurança soviético, que desferiu no antigo líder do Exército Vermelho golpes de picareta na cabeça.

O governo de Stálin

A partir de dezembro de 1929, Stalin converteu-se no ditador absoluto da União Soviética. O método que utilizou para a total conquista do poder político teve como base a sua habilidade no controle da máquina burocrática do Partido e do Estado, bem como a montagem de um implacável sistema de repressão política de todos os opositores. Desse modo, Stalin conseguiu eliminar do Partido, do Exército e dos principais órgãos do Estado todos os antigos dirigentes revolucionários, muitos dos quais tinham sido grandes companheiros de Lénin, como Zinoviev, Bukharin, Kamenev, Rikov, Muralov entre outros.

Depois de presos e torturados, os opositores de Stalin eram forçados a confessar crimes de espionagem que não haviam praticado. E, assim, conhecidos patriotas eram executados como traidores da pátria. Era a farsa jurídica que caracterizou as chamadas depurações.

Durante o período stalinista (1924 – 1953) calcula-se que o terror político soviético foi responsável pela prisão de mais de cinco milhões de cidadãos e pela morte de mais de 23 milhões de pessoas.

Houve êxito na reconstrução do país e na elevação do nível econômico e cultural da população soviética tornando a URSS, juntamente com os Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) uma das superpotências mundiais.

Com a vitória dos aliados sobre o eixo nazi-fascista que foi formado pelos países; Alemanha, Japão e Itália, a União Soviética, o principal oponente da Alemanha na Europa passou a dispor de enorme prestígio internacional, mas teve enormes perdas humanas e materiais. O governo de Stalin terminou com sua morte no ano de 1953.

Relações diplomáticas com Portugal

A Revolução de Fevereiro de 1917 teve uma enorme repercussão nas relações diplomáticas luso-soviéticas, que foram cortadas até 1974. Todavia, ao longo desses 57 anos, relações comerciais entre Portugal e a Rússia (e, posteriormente, a União Soviética) nunca deixaram de existir.

Uma outra visão(Causa do Povo nº66)

A Revolução Proletária Russa de 1917 é um dos principais marcos da luta de classes. Passados 95 anos da revolução, seu significado e sua própria história são alvos de disputas políticas e ideológicas. É comum, por exemplo, a Revolução de 1917 ser denominada de: Revolução Bolchevique? Revolução Comunista? Ou ainda, Revolução Marxista? Como resultado da política do PCUS, essas diferentes denominações são, na verdade, formas de esconder a pluralidade de organizações políticas da classe trabalhadora russa que atuaram como sujeitos revolucionários.

Um capítulo decisivo da história da Revolução Russa foi a atuação do Exército Insurgente Ucraniano? A Makhnovtchina, e a proposta de uma revolução dentro da revolução. Sendo a referência bakuninista durante a Revolução de 1917, a história e o significado da Makhonovtchina devem ser resgatados.

1. O papel revolucionário de Nestor Makhno

Makhno em meio em Exército Insurgente preparando tática contra Wrangel? Outubro de 1920

A história do Exército Insurrecional Makhnovista, ou simplesmente Makhnovitchina, começa com a saída do camponês anarquista Nestor Makhno, em fevereiro de 1917, da prisão Boutirki, em Moscou. Ele havia sido preso devido a sua participação no movimento insurrecional de 1905-07, quando era ainda um adolescente. Ao sair da cadeia, se livrando da pena de prisão perpétua devido a anistia, ele retornou a sua terra natal, de nome Gulai-Polé, na Ucrânia. Reencontrou o Grupo Anarquista Comunista, de que fizera parte, e neste travaria um debate interno sobre o posicionamento do anarquismo frente à revolução.

O debate entre os anarquistas girava em torno da seguinte questão: os anarquistas deveriam participar das organizações populares ou fazer propaganda de fora delas? Makhno sustentava que os anarquistas deveriam atuar no interior do movimento dos trabalhadores, cuja base na Ucrânia era de camponeses. Kalinitchenko, por sua vez, defendia que os anarquistas deveriam limitar-se ao trabalho de propaganda.

Seguindo a linha política de Makhno, o Grupo Anarquista Comunista constrói a União dos Camponeses, que agregaria toda a população camponesa de Gulai-Polé, em torno de um programa de ação coletiva de expropriação dos grandes proprietários e de combate ao Governo Provisório de Kerensky. A atuação da União dos Camponeses, juntamente com as Uniões Operárias das Usinas e Fábricas e com os Sovietes de Camponeses, Operários e Soldados, possibilitou a instalação do autogoverno dos trabalhadores. No ano de 1918, se formariam na região de Gulai-Polé e cercanias, quatro comunas livres (sem obrigação para com proprietários rurais), denominadas Comuna Rosa Luxemburgo, Comuna 1, 2 e 3.

Em 1918, eclode a Guerra Civil. Os Bolcheviques assinam o acordo de paz com a Alemanha, Brest-Litovsk, aceitando entregar a Ucrânia. Tropas austro-alemãs invadem a Ucrânia e apoiam às forças contrarrevolucionárias do Exército Branco. Os trabalhadores organizados fazem a resistência e a defesa da revolução. Primeiro na forma de guerrilha, mas os confrontos exigem a organização de um exército popular. Assim, como resultado direto da linha política de Nestor Makhno e do Grupo Anarquista Comunista de Gulai-Polé, é organizado o Exército Insurgente da Ucrânia. Portanto, a Makhnovtchina era um movimento de massas, de base camponesa e orientação anarquista.

2. A Makhnovtchina e a defesa da Revolução

No fim de 1918, durante a Guerra Civil, três forças políticas importantes, muito diferentes, estavam em ação na Ucrânia: 1) Petliurovstchina; movimento nacionalista, de nome oficial Rada, composto pela burguesia nacional, e que conseguiu uma adesão de segmentos das frações trabalhadoras ; 2) Bolchevismo; o Partido/Estado; e 3) Makhnovtchina; Exército Insurgente.

O Exército Insurgente da Ucrânia operava no ?Governo? de Ekaterinoslav ? unidade administrativa regional, composta de diversos Distritos, Comitês Comunais (unidades locais) e inúmeras aldeias. A Rada Central, Governo Nacional, ficava em Kiev. Ao sul e ao leste de Ekaterinoslav, era território libertado pela Makhnovtchina. Ekaterinoslav era território sobre domínio dos bolcheviques, e à oeste o domínio era dos petluristas.

A Makhnovtchina atuou durante a Guerra Civil na defesa da Revolução, avançando na libertação de territórios para garantir a soberania dos Sovietes. A partir daí, a política socialista de conselhos da União de Camponeses adquiriu expressão territorial, com a sua influência no Soviete de Camponeses, Operários e Soldados de Gulai-Polé. Foi consolidada a expropriação, o desarmamento da burguesia (comerciantes, industriais, grandes proprietários) e a liquidação do organismo político local do Estado, e sua substituição pelo Soviete.

A resistência dos trabalhadores ucranianos, especialmente da Makhnovtchina, foi fundamental para a defesa da Revolução Russa, pois, o precedente histórico da Comuna de Paris (1871) mostra que a invasão imperialista, resultante da ?solidariedade? burguesa interestatal, é determinante para as forças contrarrevolucionárias.

Entretanto, as divergências inconciliáveis entre os Bolcheviques e a Makhnovtchina, enquanto os primeiros implementavam a Ditadura do Proletariado, os camponeses insurgentes defendiam o autogoverno dos trabalhadores. Depois da unidade para derrotar as forças contrarrevolucionárias, o Exército Vermelho e o Exército Insurgente da Ucrânia se enfrentaram até 1921, quando a traição bolchevique resultou na perseguição de trabalhadores, na liquidação de quadros políticos e do movimento makhnovista.

A experiência revolucionária da Makhnovtchina é fundamental para o desenvolvimento da luta de classes, pois ao mesmo tempo que lança as bases do movimento insurrecional para a destruição do Estado e do Capital, mostra que a luta também passa pela superação das debilidades do revisionismo e do ecletismo, bem como pelo combate a centralização e burocratização marxista.

Livro complementar: Os anarquistas ante a Revolução Russa