100 anos da revolução russa: ensinamentos da atuação dos anarquistas

O presente artigo procura apresentar, nos 100 anos de comemoração da Revolução Russa, uma análise histórica da participação anarquista nos processos pré-revolução e durante os anos de Comunismo de Guerra. Em um segundo momento, a pesquisa busca descrever o principal movimento anarquista durante a Revolução Russa, ou seja, a atuação de Nestor Ivánovitch Makhno e seu Exército Negro na Ucrânia.

A Revolução Russa de 1917, que comemora 100 anos em 2017, já foidemasiadamente abordada por historiadores, cientistas políticos, economistas,sociólogos, enfim, uma gama de acadêmicos de diferentes áreas se devotou a estudá-la eavaliar seus impactos e seus legados para a humanidade. Uma coisa é fato: não seconsegue compreender o século XX e tampouco o mundo contemporâneo sem sededicar ao estudo e à pesquisa sobre a Revolução Russa. Ela oferece muitas chaves paradesentranhar o trágico suceder das classes e setores oprimidos e explorados do mundomoderno.

Com isso em mente, ao propor a presente pesquisa, indagou-se como o artigopoderia contribuir para o estudo da Revolução Russa. A historiografia ofereceu diversostestemunhos, sobretudo por parte dos próprios bolcheviques que se ocuparam de contaruma história oficial, além de grandes nomes das ciências humanas que já se dedicaram aotema como: Domenico Losurdo (2004), Edward Hallett Carr (1981), Marc Ferro (1984),Maurício Tragtenberg (1991; 2007), Daniel Aarão Reis Filho (1983, 2007a, 2007b), RosaLuxemburgo (1991), John Reed (1978), Eric J. Hobsbawm (1984, 1986, 1995, 2010), PerryAnderson (1991), entre outros.A resposta que se encontrou à indagação foi a de apresentar um resgate históricocrítico da participação anarquista no processo revolucionário russo de 1917, na primeiraparte do texto; na segunda parte, focar, em especial, na atuação de Nestor IvánovitchMakhno e seu Exército Negro na Ucrânia. Segundo Tragtenberg:[…]História da Revolução Russa, muito erudita e interessante, omite doisepisódios centrais: a revolução camponesa na Ucrânia, que coletivizou asterras diretamente, com Makno; e as reivindicações dos marinheiros deKronstadt contra a ditadura de partido único e por sovietesindependentes do Estado e do partido. Tais fatos não aparecem nashistórias comuns da Revolução Russa; e são muito decisivas.(TRAGTENBERG, 1991, p. 46)Para atingir seu escopo, a pesquisa, em um primeiro momento, buscouconsubstanciar o levantamento, a seleção, o fichamento e o arquivamento deinformações relacionadas ao objeto estudado. Posteriormente, adotou-se umaabordagem sistemática por meio da avaliação crítica dos dados bibliográficos e históricos,de fontes primárias e secundárias. O estudo intentou, nesta fase, trazer autores atuaisque estão a se dedicar ao tema e realizar a triangulação de dados, objetivando, assim,uma análise histórica mais conscienciosa dos acontecimentos vivenciados.Verifica-se que a delimitação temática proposta pela pesquisa buscou lançar luzesem questões ainda obscuras da Revolução Russa. Alguns fatos que o artigo se empenhouem abordar, como a Revolta de Kronstadt, as diferenças entre bolcheviques eanarquistas, bem como os projetos desses para a Rússia, e o surgimento e a aniquilaçãodo movimento makhnovista, foram, não raramente, esquecidos ou rodeados peloshistoriadores.

Os Anarquistas na Revolução RussaNo final do século XIX, o Império Russo era o país mais extenso da Europa eabrigava diferentes povos e culturas, com expressivos desequilíbrios sociais, econômicose políticos. A Rússia Czarista era uma nação com baixo desenvolvimento industrial e comgrande concentração de terras. Os czares russos governavam o império com mão deferro por meio de uma monarquia autocrática e despótica. A monarquia era sustentadaprincipalmente pela nobreza rural, dona da maioria das terras cultiváveis, de onde saíamos oficiais do exército e os principais dirigentes da Igreja Ortodoxa Russa. Os opositoresdo regime eram perseguidos por um eficiente e truculento aparelho de repressão militar,aOkhrana – polícia política do governo (WADE, 2005; TRAGTENBERG, 2007).No período do Czar Nicolau II (1894– 1918), houve um pequeno desenvolvimentoindustrial promovido, em grande medida, com capitais ingleses, alemães, belgas efranceses. Além dos capitais estrangeiros, a Rússia recebeu do exterior, em virtude dessemaior relacionamento com a Europa Ocidental, novas correntes políticas que sechocavam com o antiquado absolutismo do governo russo. Entre essas, se destacaram ospensadores socialistas, como: Louis Blanc, Robert Owen, Charles Fourier, Saint-Simon,Karl Marx, Friedrich Engels ePierre Joseph Proudhon (AVRICH, 2005).Desses autores, os que tiveram mais influência no pensamento e no movimentoanarquista russo foram: Proudhon, com sua ideia de autogestão e mutualismo, Karl Marxe Friedrich Engels, sobretudo com o materialismo dialético e a luta de classes, e osconceitos de superestrutura e infraestrutura. Os principais pensadores anarquistasrussos, Mikhail Aleksandrovitch Bakunin, Piotr Alexeyevich Kropotkin e Lev NikolayevichTolstói tiveram influências significativas desses e de outros autores e militantes sociais.Os anarquistas, no final do século XIX, organizavam-se em grupos autônomos,alguns com ações diretas como oNaródnaia Vólia (Vontade Popular) que agrupava, alémde anarquistas, niilistas1 enarodniks2. O grupo, influenciado pelas ações de Serge

Gennadiyevich Nechayev, anarquista e niilista revolucionário e reconhecido por fomentara revolução utilizando a violência política, conseguiu o feito de assassinar, em 1º de março de 1881, o Czar Alexandre II, que estava no poder desde 1855. Encorajado por essa ação, o grupo começou a articular o assassinato de Alexandre III (governou o Império entre 1881-1894), no entanto a Okhrana descobriu o plano e cinco dos conspiradores, incluindo Alexandre Ulyanov, irmão mais velho de Vladimir Ilyich Ulyanov (conhecido como Lênin), foram presos e enforcados em 20 de maio de 1887. Tal fato fez com que a repressão czarista aumentasse significativamente e importantes reformas sociais e econômicas fossem paralisadas (READ, 2005; DER KISTE, 2003).Nesse período, foram publicados vários jornais anarquistas, como o Rabotnik (OTrabalhador),Obshchina (Comunidade), Narodno e Delo (A Causa do Povo), apoiados por Bakunin. Entre as comunidades russas expatriadas havia oHleb i Volya (Genebra, 1903-5),apoiado por Kropótkin, Burevestnik (Paris, 1906-10) e Rabotchi Mir  (Paris, 1911-14)(WOODCOCK, 2002). Além disso, surgiram diversos grupos anarquistas que se dividiamem duas frentes: os insurrecionalistas, como Chernoe Znamia (Bandeira Negra) e Beznachalie(Sem autoridade) e os sindicalistas, como no caso do Grupo de Anarco-Sindicalistas do Sul da Rússia. Esses participaram da fundação dos primeiros sovietes em Petrogrado(atualmente São Petersburgo), então capital do Império e, em Moscou, fundando a Cruz Negra Anarquista– CNA. A fundação da CNA, em 1905, ocorreu em virtude da recusa de grupos de ajuda humanitária, como a Cruz Vermelha, de prestarauxílio a presos políticos anarquistas, considerados terroristas. Entre os esforços da CNAestavam o fornecimento de literatura política e apoio legal para prisioneiros (CHRISTIE,2004; AVRICH, 2005).

Os periódicos, as obras dos três principais autores anarquistas de língua russa(Bakunin com seu socialismo libertário, Kropótkin com o anarco-comunismo e Tolstói comum anarquismo de viés cristão), as ações de grupos anarquistas, bem como as greves, os tumultos no campo, os atentados, as demonstrações de insatisfação estudantis e o descontentamento nos militares foram algumas das condições para a Revolução de 1905e para a formação dos sovietes, conselhos de operários e de soldados. A estrutura sindicalista revolucionária se formava com o esforço empreendido pelos anarquistas, fez com que, durante a Grande Guerra Mundial, houvesse uma significativa queda nas suas atividades contra o Império Russo e em ações panfletárias entre a população e os expatriados. O movimento anarquista russosomente conseguiu se reorganizar às vésperas da Revolução de 1917. Havia, por exemplo,algumas unidades militares simpáticas à causa anarquista e uma federação que publicava um jornal diário, o Anarchy,em Moscou. Além disso ,em Kronstadt, muitos marinheiros e comitês de fábricas demonstravam apoio aos ideais libertários e se opunham significativamente aos desejos de centralização dos sindicatos controlados pelos mencheviques. Entre as diversas tendências anarquistas, os anarco-sindicalitas e os anarco-comunistas nutriam maior simpatia dos trabalhadores e ganhavam espaço, também, em cidades como Odessa e Iekaterin (ROCKER, 2007; WOODCOCK, 2002;TRAGTENBERG, 2007)

na Grande Guerra e a libertação de presos políticos (WADE, 2005; TRAGTENBERG,2007).Embora os sovietes continuassem a funcionar, o governo provisório tornou-sepaulatinamente mais impopular em virtude de se manter na Grande Guerra Mundial e pornão conseguir resolver os problemas econômicos, sociais e políticos da Rússia. Osanarquistas foram os primeiros a atacar o governo de Kérensky e convocar mais poderespara os sovietes. Dentro dos quadros partidários, no entanto, quem ganhava cada vezmais expressão ao pregar a paz com a Alemanha, a saída da Rússia da guerra, adistribuição de terras aos camponeses e o fortalecimento dos sovietes, foi Lênin, líder dosbolcheviques. Os bolcheviques tornaram-se mais numerosos, chegando a 80 milmilitantes

na Grande Guerra e a libertação de presos políticos (WADE, 2005; TRAGTENBERG,2007).Embora os sovietes continuassem a funcionar, o governo provisório tornou-sepaulatinamente mais impopular em virtude de se manter na Grande Guerra Mundial e pornão conseguir resolver os problemas econômicos, sociais e políticos da Rússia. Osanarquistas foram os primeiros a atacar o governo de Kérensky e convocar mais poderespara os sovietes. Dentro dos quadros partidários, no entanto, quem ganhava cada vezmais expressão ao pregar a paz com a Alemanha, a saída da Rússia da guerra, adistribuição de terras aos camponeses e o fortalecimento dos sovietes, foi Lênin, líder dosbolcheviques. Os bolcheviques tornaram-se mais numerosos, chegando a 80 milmilitantes

na Grande Guerra e a libertação de presos políticos (WADE, 2005; TRAGTENBERG,2007).Embora os sovietes continuassem a funcionar, o governo provisório tornou-sepaulatinamente mais impopular em virtude de se manter na Grande Guerra Mundial e pornão conseguir resolver os problemas econômicos, sociais e políticos da Rússia. Osanarquistas foram os primeiros a atacar o governo de Kérensky e convocar mais poderespara os sovietes. Dentro dos quadros partidários, no entanto, quem ganhava cada vezmais expressão ao pregar a paz com a Alemanha, a saída da Rússia da guerra, adistribuição de terras aos camponeses e o fortalecimento dos sovietes, foi Lênin, líder dosbolcheviques. Os bolcheviques tornaram-se mais numerosos, chegando a 80 milmilitantes

Via: Academia