A Bandeira negra do Anarquismo – Entenda o significado
A bandeira negra do anarquismo sempre marcou presença nas manifestações em torno do mundo.
O anarquismo é uma corrente de pensamento que fora fortíssima em diversas épocas da história. Muitos dos imigrantes italianos e espanhóis que chegaram ao Brasil faziam parte de coletivos anarquistas e seus descendentes têm pouquíssimo acesso de fato ao que isso representa. An Arche, sem governo, sem poder. Escutamos muito sobre o marxismo e os marxistas, mas quase nada sobre Proudhon, anarquista que discutiu com Marx e propusera o fim da propriedade privada. Em seu texto Qu’ est-ce La proprieté? (o que é a propriedade?), Proudhon responde enfaticamente e estarrece o mundo ao afirmar que “a propriedade é um roubo”! Esse é um dos princípios do anarquismo, que hoje beira a impossibilidade, mas que fora sonhado e pensado tanto nas colônias italianas, francesas, espanholas ou no leste europeu. E que quer dizer na prática? Que ninguém poderia ser “dono” de um pedaço de terra. Que qualquer cercado é um atentado contra a própria ideia de um ser humano, pois o mundo, a terra, as terras, os riachos, os lagos, as planícies, não poderiam ser de alguém, mas sim de todos e de ninguém.
Os anarquistas também acreditam que não poderiam existir Estados, pois os governos já partiriam de uma premissa opressora e “castradora”: Colocando leis onde não precisa e arbitrando todas as relações humanas. Por isso são internacionalistas. E o que isso quer dizer? Que para os anarquistas não existe diferença entre um etíope, um neozelandês, um brasileiro ou paraguaio. A raça é uma: a humana. A pátria é uma: o mundo.
Mas isso quer dizer que anarquismo é bagunça? É desordem? Não, absolutamente não. Nos ideais anarquistas a máxima que impera é “O anarquismo é a ordem”. Quando você vê aquela imagem de um “A”, circulado, tão presente nos muros das cidades, em camisetas, pichações e etc., aquele símbolo tem um significado bem preciso: O “A” representa o anarquismo e o circulo representa um “O”, ou seja, o “anarquismo é a ordem”. Muitos se estranharam num dos dias das manifestações em que os manifestantes entoavam palavras de ordem que afirmavam que quando as forças opressoras do Estado não estavam presentes, por “coincidência”, não existia violência.
Quando alguém lê um pouco do ideal anarquista pode pensar que na prática essas idéias são absolutamente inviáveis, que não passam de uma utopia boba e adolescente. Negativo, a história mostra que existiram experiências anarquistas muito bem sucedidas. Na Ucrânia, perto da fronteira com a Rússia, existia uma enorme comunidade anarquista chamada “Makhnovitchna” (referência ao seu líder, pensador e organizador, Nestor Makhno). Bem gerida e orientada por Plataforma Organizacional (a forma de organização anarquista proposta por Makhno, mas rechaçada por Enrico Malatesta), os anarquistas lutaram junto com o Exército Vermelho e ajudaram a findar a Revolução Russa, mas depois foram brutalmente assassinados e extinguidos pelos próprios comunistas, comandados por Leon Trotsky (na época comandante do exército vermelho). Também na Espanha, muitas colônias anarquistas existiam e realmente foram uma das frentes de batalha contra Franco, mas enfraqueceram demais por causa da cisão e das brigas com a Frente Comunista. No Brasil, a colônia Cecília, em Santos, apelidado de pequena Moscow antes da Ditadura Militar, os anarquistas tinham grandes manifestações. Em Israel, parte dos chamados Kibutzim e por aí vai.
Mas mesmo que os fins não sejam alcançados, os anarquistas estiveram ao lado de grandes lutas da humanidade, conquistas das quais hoje desfrutamos e não sabemos exatamente como foram os movimentos que se deram para chegar ao que vivemos. O sufrágio universal por exemplo. Se hoje homens, mulheres, negros e até adolescentes podem votar, é porque muitos anarquistas defenderam essa ideia com a própria vida. O feminismo, o sindicalismo, a luta pelos direitos dos homossexuais, os direitos iguais para as religiões, muitos dos movimentos sociais que lutam pela transformação tiveram seu inicio atrelado aos movimentos anarquistas.
A mesma bandeira negra que vimos que faz parte concreta das manifestações ao redor do mundo, e aqueles homens vestidos integralmente de preto, não são simplesmente arruaceiros revoltosos numa intenção maléfica. Na verdade, essa bandeira negra tem uma representação característica: É uma contra-bandeira, uma não-bandeira, significa uma idéia de que as pessoas podem voltar a um estado de relação com o mundo e com os outros que não necessita de Estados, Indústria Cultural, Governos, Propriedades, Exércitos e um Deus maior chamado Capital, Dinheiro para viver. Que a vida transcende e é muito mais que esses poderes sustentados em última instância por uma abstração mantida na base do medo e da coerção. Que cada ser humano é em sua unidade um mundo com todos os potenciais do próprio mundo, algo que passamos a desacreditar com tanto ódio e violência (que é uma das maneiras do Poder imperar). Tantos escritores e pensadores famosos, de Wilde a Chomsky mostram que essas idéias não são tão “esquizos” quanto parecem.
Pode até parecer um pouco irreal ou romântico, mas de fato algumas imagens nessas manifestações levam a crer que George Woodcock estava certo ao dizer que “Na verdade, o anarquismo é a um só tempo diversificado e inconstante e, à perspectiva histórica, apresenta a aparência, não de um curso d’água cada vez mais forte, correndo em direção ao mar do seu destino (uma imagem que bem poderia ser aplicada ao marxismo), mas de um fio de água filtrando-se através do solo poroso formando aqui uma corrente subterrânea, ali um poço turbulento, escorrendo pelas fendas, desaparecendo de vista para surgir onde as rachaduras da estrutura social possam lhe oferecer uma oportunidade de fluir. Como doutrina, muda constantemente, como movimento, cresce e se desintegra, em permanente flutuação, mas jamais se acaba”.
Ora se fortalece, ora enfraquece, mas nunca, nunca morre. E nunca morrerá. Toda bandeira negra que tremula em algum lugar, significa uma gota dessa esperança tão característica desse movimento.
Leonardo Goldberg
Essa maneíra de pensar faz com que um indivíduo adepto, portanto um pensador, seja constantemente um medroso, alguém que se vê ameaçado o tempo todo, de ter-se lhe tirado o direito de viver, uma vez que tudo é de todos!