O que é Nacionalismo?
O Nacionalismo separa a humanidade e cria um campo de guerra entre as diferenças.
Os estados usam o nacionalismo com conceitos de ‘unidade’ e ‘naçã’o para criar uma especie de ‘corpo nacional’ onde todos tem a obrigação de defender e venerar, algo como ‘defender a patria mãe’ etc.
Existe alguma diferença entre Nacionalismo e Patriotismo?
Esses conceitos camuflam muito bem o que esta por trás de “defender a pátria” ou a nação. Camufla muito bem os interesses de domínio e expansão daqueles que possuem o poder. O nacionalismo é uma ferramenta usada pelos dominantes para criar uma espécie de sentimento de unidade numa sociedade dividida.
Tal ferramenta substitui o sentimento e o conceito de “comunidade” pelo conceito de “nação” e “amor à patria”.
A prática nacionalista é inerentemente racista, o nacionalismo foi construido com base no racismo. O nacionalismo cria a percepção totalmente errônea do “estrangeiro”.
O Nacionalismo foi algo usado em diversas épocas e de diversas maneiras diferentes, mas sua natureza é unica, é criar um sentimento de unidade e de fidelidade a esta unidade. Mas tal unidade, é bom lembrar, é a unidade de uma sociedade dividida entre exploradores e explorados, e a fidelidade à patria e à nação é a fidelidade a esta sociedade.
Como Fredy Perlamn colocou: “Nas pegadas dos exércitos nacionais segue a marcha do progresso. Esses exércitos patrióticos foram (e são) uma das maravilhas burguesas. Neles, lobo e cordeiro, aranha e mosca marcham juntos. Neles, proletários são companheiros de seus exploradores, camponeses endividados são amigos dos credores, o tolo é sócio do trapaceiro num empreendimento movido a ódio. Um ódio dirigido a potenciais fontes de capital, os ditos infiéis, selvagens, raças inferiores.”
A humanidade é uma só comunidade, com todas as suas diferenças e diversidade. Conceitos racistas e separatistas como o nacionalismo apenas nos afastam de entendermos e compreendermos que somos uma só comunidade, e que devemos compartilhar o mundo.
Nascer aqui ou ali é inevitável, mas vangloriar-se disto é uma limitação extrema e perigosa.
Visto como a quintessencialização de hierarquia & segregação, o estado pode se reproduzir em qualquer nível de experiência – da psique individual às leis das nações. Hipoteticamente também a sociedade pode existir sem o estado – e existiu de fato aproximadamente por um milhão de anos, 99% do tempo de existência da espécie humana, graças a persistência de costumes & instituições – e mitemas – que parecem terem sido criados apenas para este propósito, a supressão do Estado & a realização do Social. A guerra ela própria pode ser uma destas instituições da “Sociedade Contra o Estado”, desde (em sua forma “primitiva”) que atue na dispersão do poder & riqueza, mais do que em pró de sua concentração. Em outro nível poderíamos dizer que o xamanismo também tende à centrifugalidade do poder em sua ênfase na experiência direta mais que na mera representação (o xamã precisa “realmente” curar o paciente, o médium precisa “realmente” ser possuído, do contrário o prestígio deles evapora: – em algumas tribos o fracasso do xamã é algo punível com exílio ou morte). Logo o proto-estado precisa emergir num momento de colapso da força centrífuga na guerra e na religião. Mudanças na estrutura econômica não são necessariamente os elementos causadores do colapso, mas nesse contexto surgem para o seu fortalecimento. Por exemplo, a substituição da caça e coleta pela agricultura falhou em produzir o proto-estado. Não podemos sequer culpar o Estado pela especialização do trabalho, desde que somos perfeitamente capazes de imaginar (como Fourier) uma sociedade sem Estado baseada em complexos econômicos apropriados. O Estado parece quase sui generis – seu nascimento está envolto em um certo mistério. Algo deu errado em algum lugar – os velhos mitos (baseados na reciprocidade & distribuição) colapsaram sob o peso da nova “estória” baseada em separação & acumulação. O instante preciso está perdido, ainda que a partir das evidências arqueológicas apontem para o seu surgimento em torno do quarto ou terceiro milênio na Suméria e no Egito. Em ambos os casos os reinos da guerra e da religião parecem ter se juntado para produzir figurativa e literalmente estruturas piramidais impossíveis de serem concebidas sem impostos & escravidão. A centrifugalidade do social é gradualmente suplantada pela centripetalidade do poder e da riqueza até um ponto crítico ser alcançado com a emergência catastrófica de um “Rei-Sacerdote” & uma burocracia nascente – os signos infalíveis do verdadeiro Estado.
A essência do Estado está fundada na simbolização⁶ como mediação & mediação como alienação. Estas abstrações denotam uma realidade brutal: O surgimento do Pantano da História. A Separação e a expropriação precisam ser realizadas simultaneamente em ambos os planos, da simbolização e da ação. Símbolos precisam ser criados para realizar o “trabalho” de acumulação – o Estado não pode gastar sua energia se recriando a cada momento. A escrita nesse sentido tecnologiza a simbolização a ponto do poder ser capaz de “agir à distância” – daí a “magia” da escrita. Sua origem Hermética – mas a escrita ela própria pode ter sido inventada de forma a implementar uma forma muito mais básica de simbolização – o dinheiro.
Examinemos a hipótese de que o Estado é impossível sem o dinheiro como uma forma de câmbio simbólico. Mesmo o mais primitivo dos reis (o que é diferente e quase oposto ao “ancião” ou ao “chefe indígena”) pode apenas ser definido pela criação da escassez e da acumulação da riqueza – e esse processo problemático só pode ser reproduzido através da simbolização. Geralmente isso significa que o rei é de alguma forma “sagrado” e dessa forma ele próprio (ou ela própria) simboliza a grande mobilidade de energia dentro ou entre abundância & escassez. Este movimento no entento precisa ser impedido se a transferência de energia só pode tomar a forma de matéria crua (atualmente vacas ou jarros ou grãos etc.) A troca essencial de proteção-por-riqueza é que determina que o verdadeiro Estado seja simbolizado no sentido de transcender o que poderia ser chamado de igualitarianismo inerente ao material, sua rebeldia, sua resistência natural à acumulação. A “proteção” mais do que tudo não possui uma base material, tal como possui o trigo – portanto o estado estará em desvantagem na troca a menos que faça presente seu poder de uma forma simbólica (não-material) – como nada por algo.
Se por outro lado o Estado permanece impossível sem dinheiro (mesmo em sua forma mais inesperada, exótica ou primitiva), dinheiro parece ser razoavelmente possível sem Estado. Nossa melhor evidência para tal afirmação vem não só do Passado, mas também – por assim dizer – do Futuro.
No passado podemos discernir o dinheiro na troca simbólica & na construção social do sacrifício. Quando a tribo cresce para além do ponto em que ela pode se reproduzir através do compartilhamento de uma animal sacrificial, nesse caso, nós podemos supor que algumas “obrigações de compartilhamento” poderiam ser simbolizado de algum tipo de ficha [token]. Uma vez que o “conteúdo espiritual” dessas fichas podem ser transferido para uma esfera econômica para além do sacrifício (como por exemplo nos templos das moedas Lídios do século VII a.C.) a existência de fichas poderiam facilitar a “criação da escassez” simbolizando a acumulação da riqueza. Dessa forma o dinheiro poderia preceder o Estado. Se desejamos buscar a origem do dinheiro ainda mais para longe no passado, devemos examinar as misteriosas fichas de barro que apareceram no “Oriente Médio” Neolítico em torno do Sétimo Milênio a.C. aparentemente como contadores de produtos. Bens reais presentes apenas de uma forma representacional já expressam a possibilidade da escassez – e, de fato, estas contas de barros muito provavelmente representam dívida. Quando as contas simbólicas elas próprias foram então simbolizadas pela escrita – um conceito que aparece num momento muito preciso, datável em cerca de 3.100 a.C. na cidade de Uruk⁷ – podemos falar não só de dinheiro como também de bancos: a centralização da dívida no foco religioso e político do poder, o Templo. Assim, para trocar em miúdos, o dinheiro já existia 4.000 anos antes de tomar uma forma que tornasse possível a emergência do verdadeiro Estado.
Mas se olharmos para o futuro – através da “lógica” do presente – também podemos ver mais claramente que o dinheiro existe para além do Estado. Numa situação em que o dinheiro é “livre” para se mover através das fronteiras em desacato à toda economia política, como em um internacionalismo neo-liberal de livre-mercado, o Estado pode se ver abandonado pelo dinheiro, e redefinido como uma zona de escassez mais do que de riqueza. O Estado permanece por definição baseado na produção, enquanto o dinheiro almeja a transcendência da representação pura. Nos últimos cinco anos o dinheiro quase alcançou o desprendimento absoluto, desde que mais de 90% de todo o dinheiro agora não se prende a nada na esfera da produção, nem mesmo às fichas simbólicas sujas e fora de moda chamadas “moeda” – ainda que todo o mundo produtivo permaneça totalmente no poder do dinheiro, independente dessa escassez, um tomate pode crescer e ser comido sem a mediação de uma troca simbólica.
Paracelsus disse uma vez a um rei germânico insignificante. “Sua Majestade é o verdadeiro alquimista, não eu (um mero estudioso)! Somente sua Majestade é capaz de empoderar um banco com o monopólio da cunhagem de dinheiro, e depois tomá-lo emprestado. Desse modo criarás algo do nada, um ato muito mais possante que transformar chumbo em ouro!” A piada aqui é que o rei não era um verdadeiro alquimista. O locus do ato mágico permanece no banco e não na corte. Quando todos os tronos no mundo estiverem desesperadamente em débito com as centrais bancárias que eles mesmos criaram, o foco do poder terá se movido. Quando governos resignificarem seu ancestral aparato de proteção, o dinheiro finalmente se irromperá livre – agora os governos finalmente podem prover somente nada por nada – o poder deles foi destruído. Ele migrou para dentro de uma esfera alquímica de pura representação.
Deste modo o dinheiro e o Estado nunca – em nenhum sentido – foram exatamente idênticos, ou nem estiveram necessariamente em aliança. Como a relação paradoxal do dinheiro e a religião, dinheiro e o Estado por vezes conspiram, as vezes competem, ocasionalmente guerreiam entre si. Deus & Moloch⁸, Mammon⁹ & Moloch – as confusões de suas danças cósmicas podem ser reveladas nas lendas dos Templários – ou do FMI¹⁰! O dinheiro e o Estado (e a religião) não estão imbricados na simples paradoxalidade do enigma ancestral sobre o ovo e a galinha, mas uma relação muito mais complexa; a questão sobre causa e efeito é uma questão equivocada.
O dinheiro, o Estado e a Religião – todos são poderes de opressão, mas não o mesmo poder de opressão. De fato, quando utilizados uns contra os outros, eles podem agir como poderes de libertação. O dinheiro “compra liberdade” por exemplo; o Estado populista pode suprimir os bancos, de modo a liberar seus cidadãos do “poder-dinheiro”; e religião tem sido reconhecida por mobilizar uma “alta moralidade” contra ambas as injustiças políticas e econômicas.
Além disso, o Estado não se apresenta subitamente em sua forma “absoluta”. Se as sociedades “primitivas” possuem instituições que são capazes de prevenir com êxito a emergência do Estado, e apesar disso a emergência do Estado não pode ser capaz de apagra estas instituições de uma vez por todas. O Estado “primevo” precisa ainda coexistir com “costumes e direitos” que permitam a Sociedade resistir ao seu poder. Na Irlanda antiga por exemplo o reinado dependia (e muitas vezes enfrentava) bandos de guerreiros semi-independentes, os Fianna, que devotavam suas vidas a obtenção de poder (ataques) e riqueza (caçadas) que permanecia essencialmente fora do controle do Estado. A antropologia da “Sociedade Contra o Estado” pode se estender à sociologia dos sistemas estatais históricos (como o “feudalismo”) onde algumas instituições potentes e mitemas¹¹ trabalham contra a acumulação de poder total – freqüentemente ao custo de violência. Além disso, como Karl Polanyi¹² demonstra, é também controlado através da detenção nas culturas “pré-modernas”, não só nas sociedades “primitivas” (onde o dinheiro simplesmente falha em aparecer), mas ainda em sistemas estatais razoavelmente complexos. As “Civilizações Clássicas” como a Mesopotâmia, a Grécia, Mesoamérica, Egito e mesmo Roma mantinham estruturas de redistribuição da riqueza em algum nível – mesmo que seja como panem et circenses¹³, ninguém poderia conceber um mercado “livre” em tais circunstâncias, já que a desumanidade poderia violar todo princípio de reciprocidade ainda existente – sem mencionar a lei religiosa. Tais concepções foram deixadas para nossa gloriosa era moderna do Estado como poder absoluto, & e dinheiro como “livre” de todo comedimento social. O resultado pode ser chamado de Estado Capital: o poder do dinheiro casado com o poder da guerra. Atualmente, uma vez que a guerra contra o Comunismo foi ganha, poderia ser lógica esperar uma última batalha final entre o Capital e o Estado pelo poder puro e supremo. Ao invés disso o Estado Molochiano parece saber que já fora derrotado a muito tempo atrás (todos os tronos desesperadamente em débito…) e reformulado sem qualquer lamúria para o triunfo de Mammon. Com poucas excessões as nações estão hoje caindo sobre si mesmas em sua ânsia por “privatizar” tudo da saúde às prisões, do ar e água à própria consciência. A “proteção” – a única desculpa real para a existência real do Estado – evaporou em cada esfera de influência governamental, das tarifas aos “direitos humanos”. O Estado parece de alguma forma acreditar que pode renunciar não só ao seu poder residual sobre o dinheiro como também às suas funções básicas, e ainda sobreviver como um exército de ocupação eleito! Mesmo os USA, que se vangloria como a última “super potência”, encontra-se em um momento em que sua vitória apocalíptica o reduziu a uma força mercenária subserviente ao Capital internacional – se gabando infantilmente¹⁴ ameaçadoramente prepotente em sua cruzada para derrubar um “Hitler” do Oriente Médio, mas capacitado apenas a servir os interesses dos cartéis de petróleo e corporações financeiras. As fronteiras nacionais precisam sobreviver para que os políticos contratados possam desviar impostos para o “bem-estar corporativo”; e assim lucros enormes podem ser gerados através da arbitragem¹⁵ e do cambio monetário; e logo esse trabalho pode ser disciplinado pelo capital “migratório”. Fora isso o Estado não retém qualquer função real – tudo mais é uma cerimônia vazia, e compartilha o terrorismo da “guerra contra o crime” (a guerra do Estado Pós-Espetacular contra sua pobreza e diferença). Thatcher¹⁶ e Reagan¹⁷ profetizaram com verdadeira presciência que o governo poderia e deveria executar de uma vez sua última tarefa histórica – a queda do Império do Mal. O governo deveria voluntariamente se desmantelar (obviamente a partir da vontade do “povo”) e graciosamente submeter-se ao real absoluto Hegeliano: Dinheiro.
Claro que falar no “fim da História” sem falar em um fim (por exemplo) da escrita – não apenas em seu sentido de produção material – só pode ser encarado como um tipo insanidade – talvez até mesmo um tipo terminal! Como a religião, o Estado simplesmente falhou em “desaparecer” – de fato, numa extensão bizarra da tese da “Sociedade Contra o Estado”, nós podemos re-imaginar o Estado como um tipo institucional de “costume e direito” no qual a Sociedade pode exercer influência (paradoxalmente) contra um formato de poder ainda mais “final” – o do “Capitalismo puro”. Este é um pensamento desconfortável para um bom anarquista, nós sempre tivemos a tendência de enxergar no Estado como sendo o inimigo, e o capitalismo como um seus aspectos ou “acidentes”. O oposto ideal do anarca é o monarca¹⁸. Nesse sentido talvez nos tenhamos sido ultrapassados pelo sindicalismo e pelo “comunismo de conselhos” os quais desenvolveram ao menos teorias críticas econômicas mais maduras sobre o poder. Como a esquerda em geral todavia o anarquismo colapsou em 1989 (um crescente movimento norte-americano por exemplo subitamente implodiu) em todas as suas possibilidades porque naquele momento nosso inimigo, o Estado também secretamente terminou em colapso.
Se movendo no vácuo deixado pela derrota do Comunismo nós precisávamos uma crítica do Capitalismo como um poder único em um mundo unificado. Nossa crítica cuidadosa e sofisticada do um mundo dividido em duas formas de poderes estatais/econômicos mostrou-se repentinamente irrelevante. Em um esforço por retificar essa lacuna, acredito que precisamos de uma nova teoria do “nacionalismo” bem como uma nova teoria do Capitalismo (bem como também uma nova teoria da religião). Até agora o único modelo interessante nesse sentido é o EZLN no México – (é gratificante ver os slogans Zapatistas pichados em toda Dublin!) – e esta poderia ser a mais digna análise de sua prática e teoria enquanto inspiração. O EZLN é o primeiro poder revolucionário a se definir em oposição ao “neoliberalismo global”; e isto sem qualquer suporte ou influência da “Internacionale” uma vez que surgiu no mesmo momento em que “Moscou” desaparecia. Recebeu algum auxílio dos remanescentes da Teologia da Libertação, bem como de conselhos secretos de xamãs Maias e anciões de várias tradições. No sentido Nativo-Americano da palavra é um movimento “nacionalista”, e ainda assim sua inspiração política deriva de Zapata, Villa e Flores Mágon (dois anarco-sindicalistas agrários e um anarco-comunista). Está ocupado mais com “liberdades empíricas” do que com ideologias de pureza (como disse Qaddafi, “Na necessidade, a liberdade permanece latente”). Não é de se admirar que o New York Times²⁴ tenha chamado Chiapas de a primeira revolução “pós-moderna”; de fato, ela é a primeira revolução do Século XXI.
James Connolly, um dos fundadores do IWW²⁵, desenvolveu na Irlanda uma teoria que pensava o socialismo e o nacionalismo como partes de uma mesma causa – e por essa teoria ele foi martirizado em 1916. Em certo ponto de vista a teoria de Connolly pode levar ao “Nacional Socialismo” pela Direita – no entanto, de outra perspectiva ela acabou levando no “nacionalismo de terceiro mundo” pela Esquerda. Agora que ambos os movimentos estão mortos é possível enxergar mais claramente de que forma a teoria de Connolly fechava também com as idéias anarquistas e sindicalistas de seu próprio período, da mesma forma que o populismo de esquerda [left volkism] de Gustav Landauer ou a “Greve Geral” de Sorel. As raizes destas idéias podem ser encontradas nos escritos de Proudhon sobre mutualismo e “anarco-federalismo”. [A rixa entre Marx e Proudhon foi um infortúnio bem maior para a história que a tão alardeada quirela entre Marx e Bakunin.] Já que podemos propor uma interpretação “neo-proudhoniana” do levante Zapatista, então as idéias de Connolly talvez possuam uma nova relevância para nós [e assim talvez não será uma surpresa se o EZLN acabar estimulando uma resposta para esquerda irlandesa!]. O Nacionalismo hoje encontra-se apontado para uma colisão com o Capitalismo, pela simples razão que a nação em si foi redefinida pelo Capital como uma zona de esvaziamento. Em outras palavras, a nação pode tanto capitular com o Capitalismo quanto resistir a ele – não há uma terceira via, nenhuma “neutralidade” permanece possível. A questão que encara a nação enquanto zona de resistência é se esta lançará sua revolta pela Direita (tal qual “particularidade hegemônica”) ou pela Esquerda (como “particularidade não-hegemônica)? Nem todas as nações são zonas de resistência, e nem todas as zonas de resistência são nações. Porém onde quer que estas duas formas coincidam em alguma extensão a escolha não se resumirá somente a um processo ético, será também um processo político.
Durante a Guerra Civil Americana o anarquista Lysander Spooner recusou-se a apoiar ambos os lados – o Sul porque era culpado pela escravidão-proprietária, o Norte porque era culpado pela escravidão-salarial – e ainda por cima porque ambos recusavam reconhecer o direito de emancipação que é o sine qua non óbvio de toda federação genuinamente livre. É nesse sentido que o nacionalismo sempre será combatido por ser hegemônico – e a emancipação será sempre apoiada na medida em que for anti-hegemônica. Ou seja, poderá apenas ser apoiada na medida em que não almejar o poder aos custos da miséria alheia. Nenhum Estado pode alcançar permanentemente esse ideal – mas algumas “insurreições nacionais” podem ser consideradas revolucionárias desde que satisfaçam basicamente os requisitos mínimos – assim elas são ambas, tanto não-hegemônicas quanto anti-Capitalistas. No “Novo Mundo” nesta categoria podem ser incluídos o movimento de secessão Havaiano, o movimento de independência Porto Riquenho, os movimentos de máxima autonomia para as “nações” nativo-americanas, o EZLN, e por fim em teoria o movimento bioregionalista nos Estados Unidos – e provavelmente podem excluídos (com algum pesar) movimentos como o nacionalismo de Quebec, e o movimento de milícia nos Estados Unidos. No Leste Europeu, nós poderiamos ver algum potencial em estados como a Eslovênia, a Bósnia, a Macedônia e a Ucrânia, – mas não na Sérbia nem na Rússia. No “Oriente Médio” não se pode ajudar apoiando a Chechênia e os Curdos. No Oeste Europeu a União Européia precisa ser combatida, e as nações menores quase sempre próximas de serem esmagadas pelo peso do Eurolixo e dos Eurodolares deveriam ser encorajadas a ficarem fora da União ou se oporem a ela internamente. Do litoral atlântico do Marrocos (onde a resistência Berbere e o movimento de independência Saariano tem nossa solidariedade) à Irlanda, Dinamarca, talvez Escandinávia, os Bálticos, e a Finlândia. Secessões Celtas poderiam ser encorajadas na Escócia, Wales, Bretanha, e Man; Isso adicionaria uma forte matiz verde e socialista para uma possível coligação de pequenos Estados Atlânticos. Na Irlanda do Norte a melhor solução possível para os “Problemas” a qualquer preço – e uma Ulster livre e revolucionária liberaria sem dúvida uma inacreditável explosão de energia para o movimento anti-Capitalista – Apesar de seu tamanho Ulster emergiria como um líder para quaisquer movimentos do tipo – este fato lhe traria um enorme prestígio moral.
Desde que estamos mergulhados em sonhos, imaginemos que um movimento anti-Comunista/anti-Capitalista irrompa no Leste Europeu, e se alie com os novos movimentos islamicos, não mais “fundamentalistas” e “hegemonistas” mas definitivamente anti-Capitalistas e contrários à cultura do “Mundo Único”. A seu tempo uma aliança é feita com os estados anti-capitalistas anti-“Europa” do litoral Atlantico – e simultaneamente todos essas forças revolucionárias nacionais trabalham em busca de justiça econômica e social, ativismo ambiental, solidariedade anti-hegemônica, e “diferença revolucionária”. ONGs e grupos religiosos mandam seu apoio logístico para a luta. Ao mesmo tempo podemos imaginar o Capitalismo em crise por uma enorme miríade de razões, dos colapsos de bancos à catástrofe ambiental. De repente a crítica radical e populista ao “neo-liberalismo” torna-se algo coerente para milhões de trabalhadores, fazendeiros, povos tribais, excluídos da classe x e artistas, heréticos, e mesmo a “pequena burguesia”, lojistas e profissionais…
…”Depois da Revolução” todas as formas de nacionalismo obviamente deveriam ser reconsideradas com todo o cuidado. O objetivo do “federalismo neo-Proudhoniano” poderia ser o reconhecimento da liberdade em cada um dos pontos de organização no rizoma, não importando o quão pequeno seja – mesmo para um único indivíduo, ou a qualquer pequeno grupo de “secessionistas”. Não há dúvida de que essas liberdades deveriam ser asseguradas através da luta constante contra as tendências “naturais” à ganância e à sede de poder inerentes na cerne de cada pessoa e de cada coletividade. Este no entanto, é um assunto para o futuro. No presente temos que encarar a monumental tarefa de construir um movimento de resistência anti-Capitalista para além dos restos estilhaçados do radicalismo, alguma cola, um pouco de papel de seda, e alguma retórica coerente. Não podemos mais nos dar ao luxo de ignorar os políticos. Isso não significa que eu vá arruinar um recorde anarquista perfeito e votar pela primeira vez – desde que em meu pais votar não significa nada e não acrescenta nada a ninguém, nem mesmo 5 dólares ou uma bebida grátis (como nos velhos tempos do Salão Tammany). Quero dizer “políticos” em um sentido Clauswitziano. Guerra feita por estranhos companheiros de cama – mesmo por camaradas e aliados inexperados. Eu realmente gostaria de acreditar que a revolução poderia ser uma “guerra pela paz” não violenta – mas como um bom escoteiro, deveremos estar preparados.
Dublin, 23 de Setembro de 1996
Notas
1. Mitema, conceito da teoria antropológica estrutural utilizado para denominar a menor partícula de um mito, tal qual o fonema para a fonética. (N.T.)
2. A Sociedade Contra o Estado é o nome de uma das obras do antropólogo Pierre Clastres. Neste livro o autor apresenta boa parte de sua teoria de antropologia política para as chamadas sociedades “simples”, ou seja, que não admitem que sua sociedade se divida (tornando-se composta) em classes sociais, dominantes e dominados, etc. (N.T.)
3. O “colapso” por si próprio até pode ter tido causas econômicas mas nós não as conhecemos – certamente superpopulação e mudanças climáticas são “explicações” inadequadas! (N.A.)
4. Charles Fourier (nascido em 1772 – falecido em 1837) foi um filósofo membro do movimento socialista utópico. Em seus textos coloca os comerciantes como os causadores da miséria na sociedade e o feudalismo responsável por matar muitos trabalhadores. Criticou também a família, a religião e a “civilização”, que esta associada com a idéia de preservação. Baseou seus estudos sobre a obra de Robert Owen e de Saint-Simon, mas logo os deixou de lado para definir qual seria a melhor sociedade. Fourier defendia a propriedade comunitária, formulou a federação das comunidades, idealizou uma forma de consumo e produção, dentro das comunidades de trabalho. Considerava que o homem construía a sociedade de maneira egoísta, prevendo sempre o lucro. Com isso, o homem não desenvolveria sua própria personalidade, nem sua própria capacidade. (N.T.)
5. Sui generis significa literalmente “de seu próprio gênero”, ou seja, “único em seu gênero”. Usa-se como adjetivo para indicar que algo é único, peculiar: uma atividade sui generis, uma proposta sui generis, um comportamento sui generis. (N.T.)
6. O termo “simbolização” parece ser aqui entendido no sentido restrito de “representação”, ou seja tudo aquilo que implica numa forma de mediação entre o sujeito e a experiência, ao contrário de simbolização num sentido mais antropológico, implicaria na própria forma através da qual se apreende o mundo, o sensorial que inevitavelmente passa pela lente simbólica formada pelos referenciais culturais do sujeito. (N.T.)
7. Uruk (em sumério, Unug; Erech bíblico; e o árabe Warka) foi uma cidade antiga da Suméria – posterior Babilônia – situada a leste do Eufrates, na linha do antigo canal Nil, numa região pantanosa, a cerca de 225 quilômetros sul-sudeste de Bagdá. O próprio nome moderno Iraque é derivado de Uruk. (N.T.)
8. Mammon é o ídolo pagão citado no Novo Testamento como um falso deus do culto à riqueza, à avareza e ao ganho material, é também considerado a personificação de um dos sete pecados capitais, a “ganância”. (N.T.)
9. Moloch, na tradição bíblica, é o nome do deus ao qual os amonitas, uma etnia de Canaã, sacrificava seus recém-nascidos, jogando-os em uma fogueira. Também é o nome de um demônio na tradição cristã e cabalística. (N.T.)
10. Sigla Referente ao Fundo Monetário Internacional. (N.T.)
11. No estudo de mitologia, principalmente a partir de uma leitura antropológica estruturalista, um mitema é a partícula essencial de um mito, um elemento irredutível e imutável similar a um memes cultural, algo que sempre se encontra dividido com outros, mitemas relacionados e reunidos em variações “empacotadas” na metáfora de Claude Lévi-Strauss – ou vinculados em relações extremamente complexas, como uma molécula em um composto. Por exemplo, os mitos de Adonis e Osíris compartilham vários elementos, levando alguns estudiosos a conclusão de que partilham uma mesma origem. (N.T.)
12. Karl Paul Polanyi (nascido em 1886 — falecido em 1964) foi um um filósofo, economista e antropólogo húngaro, conhecido por sua oposição ao pensamento econômico tradicional, basicamente expressa em seu livro A Grande Transformação. (N.T.)
13. Do Latim, Pão & Circo. Política romana que garantia um mínimo de alimento e entretenimento, (um germem do espetáculo estatizado) para uma parte significativa da população, de forma a garantir a dominação e a alienação em seus territórios. (N.T.)
14. No original bush-league, um trocadilho que nos EUA, pode ser entendido tanto como algo relativo a uma liga de esporte infantil, como aos coligados de George W. Bush. (N.T.)
15. Trata-se da terceira função do mercado de divisas e que se apoia na função do “clearing”, sem a qual a arbitragem seria impossível. Podemos afirmar que o mercado de divisas tem uma função primária que opera como seu suporte; tal função é a de “clearing” internacional. Denomina-se arbitragem aquela operação de natureza especulativa que tem por intuito obter um lucro das eventuais diferenças de cotações, de uma determinada moeda, em duas praças diferentes. (N.T.)
16. Margaret Thatcher (nascida em 1925) ex-primeira ministra inglesa, considerada a líder mais enérgica da ala direita do Partido Conservador, foi responsável pela implementação de uma série de políticas neo-liberais, entre estas o fim do salário mínimo considerado um estorvo pelo seu governo, a redução radical dos serviços sociais incluindo a abolição da normativa que ordenava a distribuição gratuita de leite nas escolas. Visando a diminuição da inflação e o desenvolvimento da economia britânica, Thatcher promoveu uma série de medidas que resultaram numa das maiores crises empregatícias da história da Inglaterra, triplicando os índices de desemprego desde a sua chegada ao poder. Em 1984 enfrentou graves conflitos sociais, em especial a greve dos mineiros, que reprimiu com dureza. Em outubro desse mesmo ano, durante um congresso do seu partido que se celebrava no hotel Brighton, rebentou uma bomba colocada por um grupo de republicanos irlandeses, – Thatcher apoiava a retenção do Ulster pelo Reino Unido – atentado do qual saiu ilesa. Como chefe de governo continuou a sua política neoliberal, a privatização de empresas estatais e demolição do estado de bem-estar social. (N.T.)
17. Ronald Reagen (nascido em 1911 – falecido em 2004) foi presidente dos Estados Unidos de 1981 à 1989. Membro da facção mais conservadora do Partido Republicano, Seus anos na presidência foram marcados por uma política externa agressiva investindo na esfera da defesa e da diplomacia com o objectivo claro de combater o comunismo internacional, tendo dado apoio, inclusive, a vários ditadores capitalistas, como Ferdinand Marcos, das Filipinas e Augusto Pinochet, do Chile. Foi alvo de um atentado a tiro em 1981, ao qual sobreviveu gravemente ferido. Em seu segundo mandato abriu diálogo com o líder reformista soviético Mikhail Gorbachev, com quem chegou a um acordo quanto à um desarmamento progressivo de parte a parte, assim pondo fim à chamada Guerra Fria. Os anos finais em sua presidência foram perturbados por uma descoberta comprometedora: com o dinheiro resultante da venda ilegal de armas ao Irã estariam dando apoio aos guerrilheiros Contra que se opunham ao regime de esquerda da Nicarágua. Esse episódio conhecido como “escândalo Irã-contras”. O caso abalou a credibilidade do próprio Reagan e levou ao afastamento de certos membros da sua administração. (N.T.)
18. De fato existiram alguns esforços cômicos e fúteis na França do final do século, no sentido de forjar ligações entre o anarquismo e o monarquismo contra o inimigo comum, a ilusão desvanecente da “democracia” – e a realidade emergente do Capitalismo. (N.A.)
19. O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), é um grupo revolucionário armado baseado no estado mexicano de Chiapas. O EZLN visa a combater as opressões sofridas pelos povos indígenas no México, e, mais que um grupo guerrilheiro, se auto-define como um movimento organizado em comunidades cuja organização política baseia-se na democracia direta. O EZLN incorpora em sua luta tecnologias modernas como telefones via satélite e a internet como maneira de obter apoio interno e no estrangeiro. (N.T.)
20. Emiliano Zapata Salazar (nascido em 1879 – falecido em 1919) foi um líder importante na chamada Revolução Mexicana de 1910 contra a ditadura de Porfirio Díaz. Considerado um dos heróis populares mexicanos, Zapata é também a inspiração para o movimento zapatista, iniciado no estado de Chiapas. (N.T.)
21. Pancho Villa, pseudônimo de José Doroteo Arango, (nascido em 1887 – morto em 1923), foi um dos mais conhecidos líderes da Revolução Mexicana contra a ditadura de Porfírio Díaz. Também um ícone da história mexicana. (N.T.)
22. Ricardo Flores Magón (nascido em 1874 – falecido em 1922) foi um dos mais famosos anarquistas mexicanos da história. Editor do periódico libertário Regeneración apontado como principal instigador da revolta popular contra a ditadura de Porfirio Díaz. Inspirador do Magonismo, vertente anarquista que valoriza o diálogo com os saberes indígenas enquanto ciências milenares fundamentadas em práticas libertárias. (N.T.)
23. Muammar Abu Minyar al-Gaddafi (nascido entre 1941 e 1942) foi um dos principais proponentes da Jamahiriya ou socialismo árabe. Fez parte de guerrilhas de libertação líbia na década de 1960, tornou-se presidente daquele país com a queda do então rei Ídris I em 1969 e desde então é o chefe de estado líbio. (N.T.)
24. O The New York Times é um jornal de circulação diária internacionalmente conhecido publicado na cidade de Nova Iorque e distribuído nos Estados Unidos e em muitas outras nações. (N.T.)
25. IWW é a sigla para Industrial Workes Of The World (Trabalhadores Industriais do Mundo) trata-se de uma organização internacional de trabalhadores do início do século XX que chegou a possuir mais de 300.000 membros ao redor do globo, que pregava a união da classe trabalhadora, militando ativamente pelo estabelecimento do pro-labore em detrimento do sistema salarial. (N.T.)
26. Georges Eugène Sorel (nascido em 1847 – falecido em 1922) engenheiro formado pela École Polytechnique e teórico do sindicalismo revolucionário, muito popular na França, na Itália e nos Estados Unidos. Mas sua influência começou a decair depois de 1920. É um autor controverso quanto a linha política a qual adere. Suas idéias foram aceitas tanto pelo fascismo italiano quanto pela esquerda revolucionária deste país, influenciando consideravelmente o pensamento anarco-sindicalista. (N.T.)
27. Pierre-Joseph Proudhon (nascido em 1809 – falecido em 1865) foi o primeiro pensador a se auto-denominar anarquista. O escopo da influência de seu pensamento é gigantesco até os dias de hoje. Foi também um dos pioneiros a buscar formular uma ciência da sociedade. (N.T.)
28. Lysander Spooner (nascido em 1808 – 14 falecido em 1887) foi um jurista, filósofo político, empresário, abolicionista, jusnaturalista e anarquista individualista/mutualista norte-americano. Defendeu a resistência tributária e um movimento de reforma e criação dos direitos trabalhistas, propondo a abolição do trabalho em prol da partilha total dos lucros. (N.T.)
29. Tammany Hall foi uma ala do Partido Democrata o qual controlava através de nominações e relações de patronagem. Esta ala desempenhava também um papel central no controle político na cidade de Nova York, auxiliando imigrantes (sobretudo irlandeses) a erguerem-se à esfera da política americana da década de 1760 até 1790. (N.T.)
30. Carl von Clausewitz (nascido em 1780 – falecido em 1831) foi um general e estrategista militar prussiano (hoje parte da Alemanha). Foi diretor da Escola Militar de Berlim nos últimos treze anos de sua vida, período em que escreveu a obra Von Kriege (Da Guerra), publicada postumamente. Ficou conhecida a frase em que ele define a associação entre guerra e política: “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Von Clausewitz é considerado um grande mestre da arte da guerra. Sua lições de tática e estratégia vão, porém, além dos exercícios militares propriamente ditos, para se constituírem, inclusive, numa profunda reflexão sobre a filosofia da guerra e da paz. (N.T.)
Via: protopia
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