Palavras de um Revoltado de Piotr Kropotkin – livro

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Nova publicação de Kropotkin no Brasil

O clássico Palavras de um Revoltado de Piotr Kropotkin foi publicado no Brasil em setembro de 2005 em uma co-edição das editoras Imaginário e Ícone e com tradução de Plínio Augusto Coelho.

O livro é um clássico composto de uma série de artigos escritos por ele e publicados no jornal anarquista Le Révolté, no período entre 1879 e 1882. Conforme Éliséé Reclus comenta na apresentação do livro “Fiel ao método científico, o autor expõe, de início, a situação geral da sociedade, com suas baixezas, seus vícios, seus elementos de discórdia e de guerra; estuda os fenômenos de decrepitude que os Estados apresentam e mostra-nos as fissuras que se abrem, as ruínas que se acumulam. Em seguida, desenvolve os fatos da experiência, oferecidos pela História Contemporânea no sentido da evolução anárquica; indica sua significação precisa e extrai deles o ensinamento que comportam. Enfim, no capítulo A expropriação, resume suas idéias, tais como sobressaem da observação e da experiência, e apela para os homens de boa vontade, que não se contentam em saber, mas que querem agir.”

“Os socialistas já fizeram muitas vezes a história da gênese do Capital. Contaram como ele nasceu das guerras e dos despojos, da escravidão, da servidão, da fraude e da exploração moderna. Mostraram como se nutriu do sangue do operário e, pouco a pouco, conquistou o mundo inteiro. Devem ainda fazer a mesma história no que concerne à gênese e ao desenvolvimento da Lei. […]

Feita para garantir os frutos da pilhagem, do açambarcamento e da exploração, a Lei seguiu as mesmas fases de desenvolvimento do Capital: irmão e irmã gêmeos, caminharam de mãos dadas, nutrindo-se ambos dos sofrimentos e das misérias da Humanidade.”

Trecho do livro:

“Anarquia, na linguagem corrente, é sinônimo de desordem, caos; esta palavra desperta no espírito a ideia de interesses que se entrechocam, de indivíduos que fazem guerra entre si, que não podem conseguir estabelecer a harmonia.

Tratemos, entretanto, de nos entender. De que ordem se trata? Aqueles que censuram a anarquia, dizendo ser ela a negação da ordem, não falam da harmonia do futuro; falam da ordem tal como é concebida pela sociedade atual! Vejamos, pois, o que é esta ordem que a anarquia quer destruir.

Reduzir nove décimos da Humanidade ao estado de besta de carga, vivendo o dia-a-dia, sem nunca ousar pensar nos prazeres proporcionados ao homem pelo estudo das Ciências, pela criação artística — eis a ordem!

A ordem é a miséria, a fome, tornadas estado normal da sociedade.

Éo fantasma do operário insurreto às portas do rico, o fantasma do povo insurreto às portas dos governantes.

A ordem é uma minoria ínfima, educada nas cátedras governamentais, que se impõe, por esta razão, à maioria, e que prepara seus filhos para ocupar mais tarde as mesmas funções, a fim de manter os mesmos privilégios, pela astúcia, pela corrupção, pela força, pelo massacre.

A ordem é a guerra contínua de homem a homem, de profissão a profissão, de5 classe a classe, de nação a nação.

A ordem é a servidão, o acorrentamento do pensamento, o aviltamento da raça humana, mantida pelo ferro e pelo açoite.

A ordem, enfim, é o banho de sangue da Comuna de Paris. É a morte de trinta mil homens, mulheres e crianças, despedaçados pelos obuses, metralhados, enterrados na cal viva sob as ruas de Paris. É o destino da juventude russa, emparedada nas prisões, enterrada na neve da Sibéria, da qual, os melhores, os mais puros, os mais devotados representantes, morrem pela corda do carrasco.

Eis a ordem!

Ea desordem — o que eles chamam de desordem?

É a insurreição do povo contra esta ordem ignóbil, quebrando seus grilhões, destruindo os obstáculos e caminhando para um futuro melhor. É o que a Humanidade tem de mais glorioso em sua História.

É a revolta do pensamento às vésperas das revoluções; é a derrubada das hipóteses sancionadas pela imobilidade dos séculos precedentes; é a eclosão de todo um fluxo de novas ideias, de invenções audaciosas, é a solução dos problemas da Ciência.

A desordem é a abolição da escravidão antiga, é a insurreição das comunas, a abolição da servidão feudal, são as tentativas de abolição da servidão econômica.

A desordem — o que eles denominam desordem — são as épocas durante as quais o gênio popular toma seu livre impulso e dá, em alguns anos, passos gigantescos, sem os quais o homem teria permanecido no estado de escravidão antiga, de ser rastejante, aviltado na miséria.

A desordem é a eclosão das mais belas paixões e das maiores dedicações, é a epopeia do supremo amor pela Humanidade!

Tomando a anarquia como ideal da organização política, não fazemos mais do que formular também outra pronunciada tendência da humanidade. E vemos na história que os períodos durante os quais foram derrubados os governos em consequência de revoluções parciais ou gerais, foram épocas de repentino progresso no terreno econômico e intelectual.

Ese observamos o desenvolvimento presente das nações civilizadas, vemos um movimento cada vez mais acentuado em pró de limitar a esfera de ação do governo e deixar cada vez maior liberdade ao indivíduo. A humanidade tende a reduzir a zero a ação dos governos, isto é, a abolir o Estado, essa personificação da injustiça, da opressão e do monopólio. Certamente que a ideia de uma sociedade sem Estado provocará pelo menos tantas objeções como a economia política de uma sociedade sem capital privado. Todos nós fomos amamentados com preconceitos a respeito das funções providenciais do Estado.

Quanto à harmonia que o espírito humano descobre na natureza, e que, no fundo, não é mais do que a constatação de uma certa estabilidade dos fenômenos, o homem de ciência moderno reconhece-a sem dúvida hoje mais do que nunca. Mas ele não procura explicá-la pela ação das leis concebidas segundo um certo plano, preestabelecidas por uma vontade inteligente.

O que se chamava “lei natural” não é mais do que uma aproximação entre certos fenômenos, entrevista por nós; e cada ‘lei’ natural assume um caráter condicional, isto é: se tal fenômeno se produzir em tais condições, seguir-se-á tal fenômeno. Nada de leis existentes fora do fenômeno: é o fenômeno e não a lei que determina aquele que lhe sucede. Nada há de preconcebido no que nós chamamos a harmonia da natureza. Bastou para estabelecê-la o acaso dos choques e dos encontros.

A harmonia aparece assim como equilíbrio temporário, estabelecido entre todas as forças, como uma adaptação provisória; e este equilíbrio só durará com uma condição: a de se modificar continuamente, representando em cada instante a resultante de todas as ações contrárias. A força acumulará seu efeito, deve abrir caminho, deve exercer sua ação, e se outras forças impedem que se manifeste não se aniquilará por isso, mas acabará por romper o equilíbrio, por quebrar a harmonia, por reencontrar uma nova posição de equilíbrio, e trabalhar em uma nova adaptação. Tal como a erupção de um vulcão, cuja força aprisionada acabou por despedaçar as lavas petrificadas, que o impediam de projetar gases, lavas e cinzas incandescentes. Tais são as revoluções.”

– Piotr Kropotkin

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