Na crise, os banqueiros tornam-se piores
BANCOS LUCRAM COM AS CRISES!
Favorecidos pelo BC com R$ 1,2 trilhão, bancos privados recusam-se a permitir que recursos cheguem a pequenas empresas e produtores rurais. Banco do Brasil é cúmplice. Estratégia visa submeter economia nacional à oligarquia financeira.
Um estudo da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia, em Carta Maior
Hoje o Brasil está internacionalmente classificado como epicentro da crise sanitária. A expansão da doença provocada pelo corona vírus não cessa. No dia 23 de junho foram registrados mais de um milhão, cento e cinquenta mil casos de infecção, e cinquenta e dois mil mortos. O desenrolar desta crise, e a ausência de políticas coordenadas pelo governo federal vai pondo a nu graves distorções entranhadas na sociedade brasileira. Distorções estas que passaram a se acirrar mediante as políticas econômicas restritivas que nos assolam desde 2015, e que o atual governo só faz multiplicar. Um exemplo gritante neste sentido nos é dado pelo sistema financeiro privado. A crise exibe como a preponderância deste segmento nas decisões governamentais atua na contramão das necessidades de acesso a recursos por parte de empresários e trabalhadores. O Governo disponibilizou R$ 1,2 trilhões aos bancos, a pretexto de estimular a concessão de crédito às empresas, mas o que ficou patente é que estes recursos não chegam aos agentes econômicos das áreas não financeiras. O que aparece em um primeiro momento como um fenômeno de empoçamento da liquidez, nada mais é do que um imenso montante de recursos sendo remunerado, absolutamente sem riscos, pela Selic, em proveito dos bancos. E, nos compulsórios referentes a depósitos à vista, sem custos financeiros para as instituições que deveriam promover as concessões de crédito.
Pesquisa do Sebrae havia constatado que 58% dos micro e pequenos empresários que recorreram a banca privada tiveram seu pedido de crédito negado; outros 28% estavam aguardando há mais de 18 dias alguma resposta, e somente 14% obtiveram êxito. E não existem sinais de que esta situação irá melhorar. De acordo com o noticiado pela Agencia Câmara e divulgado pelo site da Uol em 8 de junho, o Presidente do Banco do Brasil, em reunião com parlamentares da Comissão do Congresso que acompanha as ações relacionadas a pandemia, reconhece que existe uma “dificuldade” dos bancos em atender solicitações de crédito por parte das pequenas empresas. E justifica esta atitude, pois, segundo suas palavras, “Não é uma demanda saudável. É a demanda dos desesperados”. Ou seja, no quadro de desestruturação da atividade econômica, onde a paralisação causada pela pandemia vem se sobrepor a uma crise prévia imposta pelas políticas de desmonte das instituições públicas e total interrupção dos investimentos governamentais, a condição de angustia dos pequenos empresários é objeto de rejeição pelo presidente do Banco do Brasil.
Mesmo com o anunciado advento do PRONAMPE, destinado a oferecer garantias públicas de até 85% para casos de inadimplência nos empréstimos, nada indica que a movimentação bancária na direção do atendimento de pequenas empresas vá se modificar. Na didática exposição do presidente do Banco do Brasil: “É muito difícil atingir o pequenininho. O custo de servir, o custo de atingir o pequeno geralmente não compensa para o sistema bancário. O banco passa a ter outras atividades que o remuneram melhor. Se tem uma atividade com menor atratividade, o banco vai buscar aquilo que lhe interessa mais fazer, é natural”. Ao traduzir e compartilhar dos valores da banca privada, não é estranho que o atual presidente do Banco do Brasil tenha tido, como corolário de sua exposição, a defesa da privatização da instituição.
O desinteresse do sistema financeiro privado fica também exposto pela busca por parte do grande empresariado, de soluções heterodoxas para assegurar a sobrevivência de seus fornecedores de pequeno e médio porte. Por pressão de grandes empresários, o BNDES criou um mecanismo de financiamento que, obviamente, procura contornar a asfixia financeira causada pelos bancos privados sobre as micro, pequenas e médias empresas. Trata-se do “BNDES Crédito Cadeias Produtivas” Esta linha de crédito que apresenta características inusitadas, vai, conforme os termos do próprio BNDES, “atender à necessidade de capital de giro de pequenas e médias empresas que integram cadeias produtivas (“PMEs”) de todos os setores da economia.” E isto será feito transferindo o papel de intermediação financeira a grandes empresas, as quais serão as repassadores de crédito para suas cadeias de fornecedores. É um crédito de fornecedores ao reverso, pois o crédito passa a ser concedido pelos adquirentes de bens e serviços que servem como insumos para sua própria produção. É uma jabuticaba urdida para evitar que grandes empresas não tenham que suportar o ônus do esfacelamento financeiro de seus fornecedores, sem que tenham também que arcar com dispêndios de seus próprios recursos. É evidente também que o poder sobre seus fornecedores será ampliado, podendo se refletir na imposição de preços mais baixos para as compras feitas pelas grandes empresas. Enquanto uma solução emergencial, o BNDES poderia ele próprio assumir esta linha de financiamento de capital de giro, já que está inclusive assumindo todo o risco das operações. De qualquer forma, a atitude desdenhosa expressa pelo atual presidente do Banco do Brasil em relação as pequenas empresas, responsáveis por mais de 52% dos empregos no país, sinaliza o ânimo do governo federal em relação a crise que atravessamos.
Cabe assinalar que os últimos resultados do IBGE em relação à pesquisa mensal sobre a situação da indústria corrobora nossa afirmação anterior de que a crise, na verdade, antecede o episódio do Covid-19. O indicador da produção da indústria de transformação, medido por um índice de base fixa onde a média de 2012 é igual a cem, mostra um declínio sistemático desde que as medidas restritivas passaram a dar a tônica da política econômica. Em particular, desde abril de 2015 se mantem abaixo do índice 90; Em fevereiro de 2020 apresenta 86,9; em março 78,3. Quando o impacto da Covid-19 se manifesta, em abril deste ano, o índice cai então para 60,3. É uma queda abrupta, mas que se dá em uma trajetória já declinante. É a aceleração da desindustrialização.
A incapacidade, ou desinteresse, do sistema bancário privado em prover empréstimos ao setor produtivo vem atingindo um paroxismo, entrando em direto conflito com a sobrevivência de crescentes parcelas do empresariado nacional, da pequena e média empresa, dos microempreendedores e da agricultura familiar. A asfixia financeira de micro, pequenas e ´medias empresas, conforme se acentua, acarreta uma perspectiva cada vez mais sombria quanto a uma possível e incerta retomada do crescimento em um cenário pós pandemia.
O que fica evidente é a necessidade de outra orientação nas instituições de crédito público, que as fortaleça e direcione para ações comprometidas com as necessidades de desenvolvimento da sociedade brasileira, com o sistema bancário público ampliado e com alta capilaridade, e subordinada a diretrizes de política econômica – nesse momento, o salvamento da economia brasileira face à crise, em primeira instância, e a promoção da retomada econômica. Desenvolvimento este que, em todos os seus diversos aspectos, incluem prioridades opostas aos atuais rumos da política econômica e social ora praticadas.
A contração da atividade econômica e a ausência de linhas adequadas de crédito vem sendo fortemente percebida na produção agrícola familiar. Trata-se de segmento econômico formado por mini e micro unidades produtoras que respondem por um papel estratégico na segurança alimentar, pois sua ampla e diversificada oferta agrícola é responsável pela maior parte (70%) dos gêneros alimentícios consumidos internamente.
Em pesquisa de sondagem realizada, no início do mês de junho de 2020, pelo governo de São Paulo sobre os Impactos da Pandemia da COVID-19 nos agricultores familiares do estado, 48% dos entrevistados manifestaram interesse em acessar o sistema de crédito rural emergencial, entre 10 a 15 mil reais. A pesquisa aponta, também, a pouca utilização desses agricultores nas chamadas públicas de compras governamentais (54% dos entrevistados manifestaram interesse em participar das Chamadas Públicas), dando portanto indicativos da necessidade de uma melhor comunicação e estratégia de apoio das instituições que executam essas políticas junto aos seus beneficiários, o que poderia ser através de um trabalho intensivo de comunicação e de extensão rural.
Do ponto de vista do acesso ao crédito os dados apresentados na pesquisa revelam a necessidade de lançamento de um projeto emergencial de financiamento, conjugado à revisão da operacionalização dos programas de crédito ofertados pelo governo federal.
Diferentemente da grande empresa rural capitalista que apresenta concentração fundiária extraordinária e que se beneficiou do desenvolvimento das forças produtivas nacionais de forma internacionalmente competitiva, o pequeno produtor rural familiar não encontra suporte governamental adequado. Se ressente de políticas de compras afirmativas por órgãos públicos nas diferentes esferas de governo, de suporte logístico e políticas de crédito compatíveis com o papel que representa perante a sociedade brasileira.
No plano econômico a produção familiar rural não se classifica mais no antigo modelo de economia de subsistência, em que o produtor e sua família plantam para o autoconsumo, vendendo no mercado apenas o excedente não consumido. Hoje o produtor rural familiar planta fundamental e tipicamente para o mercado. Por ser de pequeno tamanho não possui condições ou possibilidade de formar estruturas não concorrenciais, nem impor preços ao mercado. Por sua pequena força, não existe qualquer possibilidade de tentativa ou exercício de cartelização, monopólio ou oligopólio. O mais valioso de sua atividade econômica é a qualidade e quantidade de sua produção de gêneros alimentícios de primeira necessidade, essenciais à sobrevivência e à saúde dos consumidores urbanos. São normalmente produtos agrícolas frescos e saudáveis, como verduras, hortaliças, tubérculos e frutas, de presença constante e diária na mesa dos consumidores urbanos. Eis aí a grande função social da agricultura familiar.
No plano social, destaca-se a geração de emprego no campo para o produtor e sua família, evitando a migração descontrolada dessas famílias para a periferia de médias e grandes cidades, para viverem em favelas ou habitações subnormais.
No plano ecológico, a mini ou micro unidade moderna de produção rural familiar, em geral, situa-se sempre bem próxima ao mercado consumidor ao qual serve, localizando-se numa espécie de “cinturão verde”, minimizando assim os custos de transporte, e reduzindo o consumo de combustíveis fósseis.
A superação da crise sanitária e a retomada da atividade econômica nacional irá demandar uma política radicalmente diversa da que vem sendo aplicada desde 2015. Além da reversão do quadro legal que trava o gasto público, medidas direcionadas ao fomento das atividades estratégicas para um desenvolvimento inclusivo e próspero são essenciais. A agricultura familiar é uma destas atividades a serem promovidas, pelo papel que cumpre na segurança alimentar e pelo seu caráter de sustentáculo para a expansão do mercado interno.
Via: outraspalavras