Contra Todos os Partidos: A Farsa Representativa e a Urgência da Desobediência

Nenhum partido político é inocente e decente. Nenhum partido é solução. Todos são, por essência, engrenagens do mesmo mecanismo de poder que fingem criticar. Uns mais maquiados, outros mais explícitos, mas todos servem à manutenção de uma estrutura cuja função é simples: domesticar a rebeldia social, administrar a desigualdade e perpetuar a autoridade de poucos sobre muitos.
Os partidos são o verniz democrático da tirania legalizada. Sua função histórica não é libertar, é controlar. Não é transformar radicalmente, mas acomodar o caos. Canalizam a revolta para as urnas, convertem insatisfação legítima em voto, emplacam slogans ao invés de soluções, transformam ideias em carreiras e o povo em plateia passiva de uma encenação.
Desde os clubes girondinos da Revolução Francesa até os gabinetes tecnocráticos do século XXI, o que muda é o figurino. A lógica permanece: o poder concentrado em poucos que decidem por todos. Pierre-Joseph Proudhon já afirmava: “Quem vota delega. Quem delega, renuncia.” Partidos dizem representar o povo, mas vivem dele. Vivem do voto, do fundo eleitoral, da máquina pública, do imposto da fome. No palanque, gritam igualdade; nos bastidores, negociam privilégios. São como máfias legalizadas que se revezam na gerência da miséria.
Mesmo os partidos que se dizem de esquerda, de ruptura, progressistas ou revolucionários, ao entrarem no jogo institucional, são engolidos pela lógica do Estado, pela liturgia do poder. Acabam domesticados, travestidos de gestores. Administradores do capitalismo com rosto humano, mas ainda capitalismo. Bakunin já alertava: “Nenhum homem se torna bom ao subir ao poder, mas todo poder corrompe, mesmo com as melhores intenções.”
Então, como combater essa mazela?
A resposta é simples e complexa ao mesmo tempo: desobediência criativa, organização direta e apoio mútuo. Autogestão: construir coletivos horizontais, onde decisões sejam tomadas por quem é afetado por elas. Não por representantes, mas por assembleias, rodas de diálogo, espaços de construção real. Ação direta: enfrentar os problemas na raiz sem esperar leis ou decretos. Ocupações, hortas urbanas, cooperativas, redes de cuidado, boicotes, educação popular, mutualismo. Rejeição da representação: não delegar. Não se iludir com o “menos pior”. Entender que toda delegação é abdicação do poder real de transformar. Construção de alternativas paralelas: não apenas protestar contra o sistema, mas criar mundos novos nas brechas do velho. Como diz o zapatismo: “Queremos um mundo onde caibam muitos mundos.”
Desmercantilizar a vida: romper com a lógica de que tudo é produto. Relações humanas, saberes, saúde, alimento, tudo pode e deve ser tirado das garras do lucro. Como escreveu Espertirina Martins, uma das primeiras anarquistas brasileiras: “A liberdade não se pede, se conquista. Não se vota, se vive.” Não há atalho institucional para a emancipação. Há luta, há risco, há erro e há beleza. Todos os partidos são, por essência, partes de um todo que nos oprime. A democracia representativa é a forma mais bem acabada de impedir o povo de decidir. A verdadeira política nasce da vida comum, do chão da realidade, das mãos que constroem sem chefes, das vozes que gritam sem pedir permissão.
Não há partido que nos represente, porque não viemos representar, viemos dissolver e reconstruir. O anarquismo não é o fim, é o começo de tudo o que pode ser livre. E essa liberdade jamais caberá numa urna. Não vote nem voto nulo nem voto em branco, apenas abstenha-se.