[Marxismo] Análise profunda para o estudo anarquista
A importância do estudo marxista
“Para mim, será bem-vindo qualquer juízo de crítica científica”, assim escrevia Marx no prefácio à primeira edição de O Capital. Por isso, fazem mal os que, ao invés de estudar e criticar Marx, essencialmente imprecam contra ele, mas também fazem mal os marxistas que, ao invés de tratar os trabalhos fundamentais de Marx como textos científicos, os consideram como textos religiosos, que devem ser defendidos a todo custo.
Leia tbm: Anarquismo e Marxismo de Daniel Guérin – Livro
De qualquer modo, sem medo de erro, pode-se afirmar de imediato que, depois de Marx, é impossível o retorno à ciência social pré-marxista. Marx deu à humanidade olhos novos para que ela pudesse ler de modo diferente o mundo e a história dos homens. A influência do fator econômico sobre os fatos humanos não é invenção do sonhador. Estudiosos anarquistas contemporâneos de Marx estudaram o marxismo, como é o caso de Bakunin.
Com Marx, Bakunin partilhou as críticas ao sistema capitalista, à propriedade privada dos meios de produção e à exploração da classe proletária pela burguesia. Ambos concordaram também que as revoluções Francesa e Americana foram mais políticas que sociais, pois elas teriam renovado os padrões de autoridade, dando poder às novas classes, mas não modificaram basicamente a estrutura social e econômica da França e dos Estados Unidos.
A relação de amizade e admiração de Bakunin com Marx rompeu-se, porém, a partir de divergências que se tornaram cada vez mais agudas. O nó do desentendimento encontra-se na teoria marxista da ditadura do proletariado. O Marxismo preconizava um degrau necessário antes do advento do comunismo, quando a força do proletariado, exercida através do partido, evitaria a contra-revolução da classe deposta. Só depois o poder se dissolveria rumo à sociedade sem Estado. Bakunin acusa Marx de otimista, não considerando ser possível evitar a rígida oligarquia de funcionários públicos e tecnocratas que tenderiam a se perpetuar no poder.
Apesar do Anarquismo olhar com críticas para a teoria marxista, o seu estudo é fundamental, pois sob vários aspectos, como foi argumentado, as diversas vertentes dos anarquistas e marxistas caminham em conjunto.
Marx, crítico dos economistas clássicos
Na opinião de Marx, a anatomia da sociedade civil fornece a economia política. O Marxismo acerta as suas contas com os economistas clássicos (Smith, Ricardo, Pecqueur), devendo muito ao trabalho deles.
Marx demonstrou que o valor de toda mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário ou do tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Mas onde os economistas burgueses viam relações entre objetos (troca de uma mercadoria por outra), Marx descobriu relações entre homens.
O Marxismo, a partir dos economistas clássicos, expõe que à máxima produção de riqueza corresponde ao empobrecimento máximo do operário.
Escreve Marx: “A economia política parte do fato da propriedade privada. Não a explica. Expressa o processo material da propriedade privada, o processo que se dá na realidade, em fórmulas gerais e abstratas, que depois faz valer como leis. Ela não compreende essas leis, isto é, não mostra como elas derivam da essência da propriedade privada”.
A realidade é que o capital é “a propriedade privada dos produtos do trabalho alheio”, completa. A propriedade privada não é dado absoluto que se deve pressupor em toda argumentação: ela é muito mais o produto, o resultado e a consequência necessária do trabalho expropriado. A propriedade privada é o fato que deriva da alienação do trabalho humano. Como na religião, afirma Marx, “quanto mais o homem põe em Deus, menos conserva a si mesmo. O operário põe a sua vida no objeto: e ela deixa de pertencer a ele, passando a pertencer ao objeto” e esse objeto, o seu produto, “existe fora dele, independente, estranho a ele, como que uma potência econômica diante dele, e a vida, por ele dada ao objeto, agora o confronta, estranha e inimiga”.
Marx, crítico do socialismo utópico
O defeito do utopismo é que ele critica a sociedade capitalista, condena-a e maldize-a, mas não sabe encontrar caminho de saída. De fato, acaba por se identificar com a conservação.
Marx, portanto, faz do socialismo uma ciência: é de mérito dele a concepção materialista da história e a revelação do mistério da produção capitalista, através da mais-valia.
Marx e a crítica à religião
Os homens alienam o seu ser projetando-o em um Deus imaginário somente quando a existência real na sociedade de classes impede o desenvolvimento de sua humanidade.
Diz Marx, “o homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Esse Estado e essa sociedade produzem a religião, que é consciência invertida do mundo, porque também são um mundo invertido. A religião é a teoria invertida desse mundo”. Assim, torna-se evidente que “a luta contra a religião é (…) a luta contra aquele mundo do qual a religião é aroma espiritual”. Existe o mundo fantástico dos deuses porque existe o mundo irracional e injusto dos homens. “A religião é o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de um mundo sem coração, o espírito de situações em que o espírito está ausente. Ela é o ópio do povo”.
O Marxismo não ironiza o fenômeno religioso: a religião não é a invenção de padres enganadores, mas muito mais obra da humanidade sofredora e oprimida, obrigada a buscar consolação no universo imaginário da fé. A crítica à religião se transforma “em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito, a crítica da teologia em crítica da política”.
O materialismo histórico
Para Marx, “não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina a sua consciência”.
Os homens podem ser distinguidos dos animais pela religião, pela consciência ou pelo que se quiser, “mas eles começaram a se distinguir dos animais quando começaram a produzir os seus meios de subsistência” e aquilo que “os indivíduos são depende (…) das condições materiais de sua produção”. A essência do homem, portanto, está em sua atividade produtiva.
Como escreveram Marx e Engels: “as ideias dominantes de uma época foram sempre as ideias da classe dominante”.
A luta de classes
No Manifesto do Partido Comunista, escreveram Marx e Engels: “a história de toda sociedade que existiu até o momento é a história da luta de classes”, opressores e oprimidos, burguesia e proletariado.
O Capital
A análise de O Capital inicia-se com a análise da mercadoria e o seu valor de uso e de troca. Por outro lado, para maior facilidade de trocas, a troca direta foi substituída pela moeda.
O valor de troca de uma mercadoria é dado pelo trabalho social necessário para produzi-la. Mas o trabalho também é mercadoria que o proprietário da força de trabalho (o proletário) vende no mercado, em troca de salário, ao proprietário do capital (o capitalista). E o capitalista paga apenas o salário necessário para manter em vida o trabalhador e sua família.
A disparidade entre o salário pago e o valor do trabalho produzido pelo proletário é chamada de mais-valia.
O advento do comunismo
Para Marx, era necessário chegar a um comunismo autêntico para o fim da exploração capitalista.
Antes da extinção da propriedade privada, classe social e poder político, o modelo marxista propõe a ditadura do proletariado, que usará o seu domínio “para concentrar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante”.
Posteriormente, enfim, ter-se-ia o “salto da liberdade”, então, “a velha sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos entre as classes, sucede uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos”.
Os erros de Marx
A teoria do materialismo histórico, como foi formulada por Marx, não é aceitável. E não é aceitável porque absolutiza e metafisiciza fato empírico. Em outros termos, sustentar que a ordem dos fatos econômicos é a ordem dos fatos históricos é teoria metafísica e não teoria científica, ao passo que é cientificamente correto enfrentar a explicação dos acontecimentos históricos com um olho sempre voltado para o aspecto ou fator econômico para ver se, como guiando em que medida esse fator econômico incide eventualmente sobre a sua ocorrência.
Consideração análoga deve ser feita no que se refere à teoria dialética da história. A dialética não é teoria científica. Ela é filosofia da história e, enquanto tal, simples fé. E deve-se notar também que a chamada contradição dialética não tem nada a ver com a contradição lógica (p e não-p). A contradição dialética é contraste de interesses, oposição que pode e deve ser descrita e explicada por teorias não contraditórias.
Também não se pode aceitar a teoria marxista segundo a qual “a religião é o ópio do povo”. Com efeito, o marxismo clássico confundiu um tipo de organização eclesiástica histórica com a religião sem si e com todas as religiões. Assim, absolutizou um fato histórico.
A teoria marxista, além disso, fazia previsões: previu que o capitalismo teria levado à miséria sempre mais crescente da classe operária. Previu que haveria revolução que levaria ao socialismo; previu que isso aconteceria, antes de em qualquer lugar, em países industrialmente avançados e previu que a evolução técnica dos “meios de produção” levaria ao desenvolvimento social, político e ideológico e não ao contrário. Mas essas previsões não aconteceram. E os marxistas tiveram que readaptar continuamente as suas teorias, ao invés de mudá-la. Assim, deslizou-se para o dogmatismo: o marxismo infringiu as normas do método científico.
A teoria de Marx também tem consequências práticas claramente autoritárias. Com efeito, só num sistema econômico em que a autoridade central – o Estado produtor e distribuidor de todos os bens e serviços – obriga os consumidores a comprar as mercadorias segundo preços rigorosamente correspondentes ao custo social de produção é que a teoria do valor-trabalho seria de certo modo válida. Os consumidores não teriam nenhuma possibilidade de escolha e, portanto, o valor das mercadorias não dependeria de sua demanda, mas sim do preço previamente estabelecido pela burocracia estatal. E então ter-se-ia aquilo que Agnes Heller chamou de “ditadura sobre a economia” que é justamente o regime político-econômico vigente nos países onde o marxismo tornou-se filosofia obrigatória de Estado.
Este texto foi uma adaptação do capítulo “Do Hegelianismo ao Marxismo” (somente da página 184 à 209) do livro “A história da filosofia” [REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. A história da filosofia: Do Romantismo até nossos dias. Oitava edição, 2007].
Olá companheir@s!
Vou fazer algumas observações enquanto anarquista que estuda a história do movimento proletário internacional, e entre tantas o marxismo.
A cientificidade do marxismo não se concebe pela lógica clássica aristotélica, muito menos pela “metafísica do material” ( há um erro poderoso aí, recomendo a leitura de Dietzgen sobre a formação do pensamento). Isto é, para ser científico há de se poder testar o método, e para ser dialético há de se poder avançar.
E o marxismo detém dessas duas formas, a questão é que o artigo se deteve do pensamento hegemônico da história do marxismo (ligado ao estado leninista), e isso causou erros profundos de análise, a meu ver, sobre o assunto. Mas claro, essa história poucos conhecem.
Em 1923 publicava Karl Korsch uma obra em que ele pratica exatamente o que criticas no marxismo (o dogmatismo e o estagnamento da teoria), isto é, ele aplica o materialismo histórico-dialético ao marxismo. E desses movimentos saem avanços profundos na teoria marxista.
Tais marxistas ficarão conhecidos como heterodoxos (pois se distanciam e atacam o leninismo), e nas suas análises sobre o marxismo em concomitância com a história do proletariado eles mensuram que: não há como vencer o capital sem destruir o Estado, não há como vencer o Estado sem destruir o Capital.
Mas a questão foi clara: foram perseguidos e ignorados pela história hegemônica do marxismo, aquele que se utiliza do Estado e de sua força.
Mais do que isso, as compreensões do uso de Estado em Marx e Engels não eram claras para eles, tanto que no acontecimento da Comuna de Paris os dois ficaram mais perdidos que peixe fora d’agua. E em muitos casos a crítica que Bakunin direcionava ao socialismo alemão (e assim acreditava Bakunin estar falando do marxismo) era analisando o programa de Lassale, que não era marxista.
Coloquei as considerações histórias e teóricas que achei mais fundamentais para um entendimento maior dessa problemática.
Abraços!