Educação e anarquia: abolir a escola!

Os anarquistas no Brasil , no começo do século 20, em meio suas lutas que desafiaram a ordem e possibilitaram experimentações de liberdade, tomaram a educação como maneira de ampliar as forças de combate dos trabalhadores. Criaram diversas escolas de inspiração racionalista, segundo as propostas de Ferrer y Guardía, propiciando a crianças, jovens e adultos maneiras singulares de acesso ao conhecimento vinculadas à atuação nos sindicatos, congressos operários e a uma produção de jornais, fomentando uma cultura do autodidatismo. Os anarquistas não se interessavam apenas no acesso ao conhecimento; sua educação inventava costumes apartados das práticas autoritárias. Hoje, muitas de suas experimentações foram incorporadas no interior de uma escola democrática como maneira de garantir a continuidade da escolarização. O que outrora foi ousadia diante do imobilismo e a da docilidade, tornou-se astúcia das novas tecnologias de poder que vêem na democracia a profilática forma de salvar instituições disciplinares. Ocorre um redimensionamento do controle por meio de soluções democráticas capazes de incluir qualquer manifestação de resistência. Hoje, a atitude anarquista em educação volta-se para abolição da escola e da conduta de cidadãos escolarizados pelo rotineiro exercício da democracia.
Texto originalmente publicado como “Desobediências e disciplinas”, capítulo IV do livro Anarquismos &Educação.
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A escola passou por diversas reformas, e tornou-se o espaço obrigatório onde acriança e o jovem permanecem cada vez mais. Alguns, em renomados colégios, seminários, escolas de ponta; os demais, em escolas estatais, recolhimentos provisórios, internatos, cursos rápidos de alfabetização, inclusão e normalização escolar. Educando para governar e ser governado, a escola estatal ou privada, desempenha seu papel de formadora moral para a obediência escorada em parâmetros humanistas, técnicos e disciplinares necessários para orquestrar cidadãos e trabalhadores, segundo a administração dos endividamentos, a circulação eletrônica de produtos, num planeta que tende à universalização capitalista, democrática e transterritorial. Esta nova configuração redimensiona a escola disciplinar, que funcionou de maneira análoga no capitalismo e no socialismo, cultivando seus operários e administradores. A escola, como a fábrica, o banco, as instituições militares e policiais regravam-se, segundo as suas direções, mais ou menos centralizadas e o funcionamento das vigilâncias e punições pela hierarquia. Em nome da igualdade socialista a ser alcançada, a escola se uniformizou e militarizou, ignorando as diversas sugestões anarquistas. No capitalismo, por sua vez, em nome da liberdade democrática, uma escola pluralista se sedimentou, aproveitando-se das experimentações libertárias. Em ambos os regimes, as práticas anarquistas em educação lidam com dois problemas. No capitalismo, o anarquista deve estar atento para as maneiras pelas quais suas invenções de liberdade acabam capturadas pela escola democrática. No socialismo — como a revolução social depende do resultado do combate pela direção do movimento das forças mais ou menos afins —, sob o governo centralizado, a escola para emancipação humana se tornou mais ou menos autoritária, como em qualquer regime político. Ainda no campo da revolução social, sob a perspectiva anarquista da abolição do Estado, deixar a escola libertária para depois da revolução é abdicar da invenção de novas práticas de liberdades.

Educação e anarquia: abolir a escola!