O Centésimo Macaco

A Japanese snow monkey relaxes in a hot spring in the Jigokudani valley in northern Nagano Prefecture in Japan Friday, Feb 10, 2012. The macaques descend from the forests to the warm waters of the hot springs in the mornings, and return to the security of the forests in the evenings. (AP Photo/Nick Ut)

Em New Science of Life: The Hypothesis of Formative Causation (1981), Rupert Sheldrake, biólogo teórico, propõe nova e radical teoria sobre como as coisas vivas aprendem e adquirem novas formas. Sua teoria apresenta uma explicação de como novos arquétipos podem surgir e, com isso, como a natureza humana pode se modificar.

A hipótese de Sheldrake é a seguinte: quando um comportamento é repetido número suficiente de vezes, forma “campo morfogenético” (ou seja, formador de formas). Esse campo (que Sheldrake agora denomina “mórfico”) tem uma espécie de memória cumulativa baseada no que aconteceu com aquela espécie no passado.

Todos os membros dessa espécie (não só os organismos vivos, mas também moléculas de proteína, cristais e até mesmo átomos) se sintonizam com o seu campo mórfico particular, que atravessa o espaço e o tempo num processo chamado de “ressonância mórfica”.

No reino dos cristais, por exemplo, diz a teoria que a forma ou a estrutura que os cristais adquirem depende das características do seu campo. Além disso, um novo composto é difícil de cristalizar pela primeira vez, mas depois dessa ocasião inicial vai ficando cada vez mais fácil a cristalização por causa da influência do campo mórfico (ou “memória”) de cada cristalização anterior.

Esse é o fato que os químicos conhecem muito bem, diz Sheldrake.

Quando aplicamos a nós, a teoria de Sheldrake também explica como as mudanças fundamentais (ou arquetípicas) nos seres humanos poderiam ocorrer. No princípio, mudança de atitude ou comportamento é difícil, mas conforme vai crescendo o número de pessoas que mudam, torna-se progressivamente mais fácil para outras pessoas fazerem o mesmo, e não só mudarem por influência direta.

Segundo Sheldrake, as pessoas sintonizam sua atenção no novo padrão, dentro do campo mórfico, pela ressonância mórfica, e são atingidas por ele, o que explica por que as mudanças vão se tornando cada vez mais fáceis. Em determinado ponto, alcança-se o número certo de indivíduos para que haja a inversão no equilíbrio de forças: nasceu um novo arquétipo no inconsciente coletivo.

O próprio Sheldrake igualou as duas idéias:

“A abordagem que defendo é muito semelhante à noção junguiana de inconsciente coletivo. A principal diferença é que a idéia de Jung era basicamente aplicada à experiência humana. O que sugiro é que um princípio muito semelhante atua em todas as partes do universo, não só no reino humano.”

O Centésimo Macaco: Um Mito Contemporâneo

O Centésimo Macaco é o nome de um novo mito. Trata-se de história que apareceu e serviu de tema literário apenas nos últimos vinte anos. Tem origem muito recente e, no entanto, como os mitos gregos a respeito da Guerra de Tróia, não está claro onde terminam os fatos e começam as metáforas. A história se baseia em observações científicas sobre colônias de macacos no Japão. A versão mais amplamente difundida foi escrita por Ken Keyes Jr., que apresento a seguir em forma condensada e parafraseada.

Ao longo da costa do Japão, os cientistas estudam colônias de macacos habitantes de ilhas isoladas, há mais de trinta anos. Para poder manter o registro dos macacos, eles colocavam batatas doces na praia, para que os animas as comessem.

Os macacos saíam das árvores para pegar as batatas e, assim, expunham-se a ser observados com total visibilidade. Um dia, uma macaca de 18 meses chamada Imo começou a lavar a sua batata no mar, antes de comê-la. Podemos imaginar que seu sabor tornava-se assim mais agradável, pois o tubérculo estava livre da areia e do cascalho e, talvez, ligeiramente salgada.

Imo mostrou aos outros macacos de sua idade e à sua mãe como fazer aquilo; os animais jovens mostraram às próprias mães e, aos poucos, mais e mais macacos passaram a lavar as batatas em vez de comê-las com areia e tudo.

No princípio, só os adultos que tinham imitado seus filhos aprenderam o jeito novo; gradualmente, outros também adotaram o novo procedimento. Um dia, os observadores perceberam que todos os macacos de determinada ilha lavavam suas batatas doces.

Embora isso fosse significativo, o que foi ainda mais fascinante de registrar foi que, quando essa mudança aconteceu, o comportamento dos animais nas outras ilhas também mudou: todos eles agora lavavam suas batatas, e isso apesar do fato de que as colônias de macacos das outras ilhas não tinham tido contato direto com a primeira.

Ali estava uma validação para a teoria do campo morfogenético: era possível explicar dessa maneira o que acontecera. O “centésimo macaco” foi o hipotético e anônimo macaco que virou o jogo para a cultura como um todo: aquele cuja mudança de comportamento assinalou ter sido alcançado o número crítico de macacos que modificaram sua conduta, e após o qual todos os animais de todas as ilhas passaram a lavar as suas batatas.

O Centésimo Macaco é uma alegoria que oferece esperança às pessoas que trabalham para operar mudanças em si mesmas, às vezes duvidando de que seus esforços individuais, causarão alguma diferença.

Além de falar àqueles que se percebem intimamente motivados a fazer diferença no mundo externo, o Centésimo Macaco é também metáfora para o que se desenrola dentro da psique individual. No mundo interno, fazer é tornar-se: se repetimos vezes suficientes um comportamento motivado por uma atitude ou princípio, ao final de um tempo terminaremos tornando-nos o que fazemos.

(Fragmentos de Os Deuses e o Homem: Uma Nova Psicologia da Vida e dos Amores Masculinos de Jean Shinoda Bolen | Via: Sob Malhete)