Margareth Rago Foucault, História e Anarquismo

Em 2004, o conhecido editor e militante anarquista Robson Achiamé, recentemente falecido, sugeriu a publicação dos três textos que compõem o presente trabalho, tendo em vista a divulgação das reflexões teóricas, históricas e políticas suscitadas tanto pela pesquisa sobre a experiência anarquista no Brasil, no Uruguai e na Argentina, como pelas contundentes problematizações e críticas lançadas por Michel Foucault. Próximos e distantes, os anarquistas e o filósofo francês tinham muito comum: no mínimo, a incompreensão e a decorrente estigmatização, de um lado; de outro, a riqueza de modos de pensar radicais e de experiências de vida amplamente desconhecidas. Foi no início de 1980 que iniciei minhas pesquisas sobre o anarquismo no Brasil, a partir da leitura da imprensa libertária reunida no Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade Estadual de Campinas, fundado alguns anos antes e dos clássicos dessa doutrina. Folheando a “Terra Livre”, ‘A Lanterna”, “A Voz do Trabalhador” ou “A Plebe”, qual não foi minha surpresa ao encontrar nas páginas amarela das daqueles jornais operários dos inícios do século XX, notícias de greves, de ações de sabotagem e boicote nas fábricas, de manifestações populares, ao lado de discussões sobre a emancipação da mulher, a crítica ao casamento monogâmico, a defesa do amor livre, ou as experiências da pedagogia libertária e as inúmeras atividades culturais que realizavam nos bairros afastados em que viviam. O resultado dessa intensa e apaixonada pesquisa foi o livro Do Cabaré ao Lar. A utopia da cidade disciplinar e a resistência anarquista, como aparece na ultima edição publicada pela Editora Paz e Terra, em 2014.Paralelamente, formada em História e egressa do curso de Filosofia da Universidade de São Paulo, havia conhecido o pensamento de Michel Foucault, desde meados dos anos de 1970, à medida que suas obras eram publicadas e traduzidas no país e que perdíamos o medo e a desconfiança que aquele autor tão diferente provocava nos que, como nós, traziam uma formação de inspiração marxista e a participação nas lutas sociais que, então, se travavam contra a Ditadura militar. Não foi difícil perceber tanto a convergência da profunda crítica ao poder nessas duas correntes de pensamento quanto a maneira como os conceitos desse filósofo permitiam entender melhor e revalorizar as práticas e ações anarquistas desqualificadas como “pré-políticas” e “românticas”. Vale lembrar que autores do porte do historiador marxista Eric Hobsbawm, antigo militante do Partido Comunista Britânico, consideravam os anarquistas“ atrasados politicamente” por não acreditarem na fundação do “partido revolucionário” e no“ centralismo democrático”. Logo, para minha grande sorte, outros intelectuais libertários despontaram no horizonte, no Brasil e no exterior, percebendo essas mesmas confluências com muita agudeza e desdobrando-as em análises enriquecedoras.