Anarquismo Verde ou Eco-Anarquismo – Vertentes do Anarquismo

Anarquismo Verde
Anarquismo Verde

O Anarquismo Verde, ou Eco-Anarquismo, é uma corrente anarquista que defende, como qualquer outra corrente anarquista, um movimento contra a hierarquia e qualquer forma de autoridade social, mas que parte de um ponto de vista centrado na natureza e na sua relação com ela. A maior parte dos apologistas do anarquismo verde defendem uma perspectiva de ecologia social, apontando para uma realidade humana sem hierarquia como tendo uma origem natural e biológica. O seu discurso distingue-se normalmente das outras correntes pela sua crítica à tecnologia, produto da lógica de domesticação da sociedade patriarcal, como sendo social e politicamente parcial.
O anarquismo verde defende assim uma relação estreita do homem com a natureza, em alternativa à economia da produção em massa onde ele desempenha uma pequena tarefa, reduzido ao trabalho desumano, na gigante máquina industrial, também referida como a megamáquina.

Perspectiva histórica

Vários textos anarco-primitivistas, inseridos, enquanto tal, numa perspectiva de pensamento eco-anarquista, começam por apresentar o argumento histórico segundo a qual o homem é naturalmente anarquista dada a sua evolução, o que nos propõe a tirada de conclusões no sentido de compreender o mundo primitivo como correspondendo a uma economia verdadeiramente sustentável onde o homem vive inserido de forma saudável no seu ecossistema. Assim, surge a referência dos 10.000 anos, que se atribui, historicamente, ao aparecimento da civilização, os diferentes modos de progressiva alienação numa economia de exploração violenta que a procede, e de como o homem evoluiu durante praticamente 99% do seu tempo numa realidade que, na falta de melhor termo, era anarquista.
É de salientar que os anarco-primitivistas não defendem verdadeiramente um retornar a um mundo passado, tratando-se este olhar para o mundo primitivo, mais como uma forma de repensar o lugar do homem e a sua existência do que o recriar de um mundo passado, como que por uma determinação sociológica de um estudo cientifico. Procura-se desse modo apontar para a ideia da necessidade da conexão do homem com a natureza, onde a civilização é olhada como uma patologia de consequências visíveis.
Seria mesmo de radicalizar e esbater o conceito de natureza, tornando-o mais amplo. A verdadeira Natureza compreende o próprio homem, portanto ele nunca se poderá aproximar mais desta do que um leão, um pinheiro ou qualquer outro ser vivo. Nós também somos a Natureza.

Conceito do “bom selvagem”

Um tema algo controverso relacionado com o eco-anarquismo diz respeito à ideia do “bom selvagem”. Este surgiu em meados do século XVIII com vários autores, sendo um dos mais popularizados, Rosseau. O debate atravessa o mundo académico em discussões de diversas disciplinas, com implicações das mais diversas ordens. Alguns daqueles que criticam o eco-anarquismo, apresentam este conceito para o atacar de forma negativa. Os autores eco-anarquistas fazem referência a antropólogos modernos, defendendo que é da antropologia mainstream actual que esta perpectiva, em que o “selvagem” é apresentado de forma pacífica, tem bases. Entre os dados que permitem a construção desta conjectura contam-se os dados arqueológicos, os relatos dos varios descobridores ao longo da história e a descrição de culturas actuais que ainda não foram eliminadas ou absorvidas pela sociedade industrial.
A defesa do mundo primitivo passa também pelo salientar do modo de vida pacifico apresentado, de forma geral, por estas sociedades. Ted Kaczynski procura explicar, no seu manifesto, as várias fontes de disfuncionalidades das sociedades modernas e de como as sociedades primitivas, ainda que com alguns exemplos singulares contrários, apresentavam-se como sendo mais saudáveis. Por outra lado, John Zerzan procura distinguir entre sociedades puramente selvagens e aquelas que pela agricultura tinham já presente algum modo de domesticação, e mais uma vez relativiza os males destas ultimas em relaçao às sociedades modernas na sua capacidade de destruição. Na entrevista de Derrick Jensen a John Zerzan, “Enemy of the State”, pode ler-se a seguinte passagem:
“Tendo em conta que a nossa cultura inventou o napalm e as armas nucleares, eu não estou certo se estamos em posição de julgar a violência de pequena escala de outras culturas. Mas é importante notar que nenhum dos grupos canibais ou caçadores de cabeças eram verdadeiros caçadores-colectores. É agora geralmente concedido que a agricultura normalmente conduz a um aumento do trabalho, um decréscimo na partilha, um aumento da violência, e uma mais baixa expectativa de vida. Isto não quer dizer que todas as sociedades agrícolas são violentas, mas antes que a violência não é largamente uma característica de verdadeiros caçadores-colectores.”

O caso “Unabomber”

Um dos textos que mais impacto mediático originou em torno desta corrente foi o de Theodore Kaczynski, o manifesto do Unabomber, denominado “Industrial society and Its Future”, onde o autor defende que a liberdade humana está ameaçada pelo desenvolvimento da sociedade industrial. O Unabomber ficou conhecido por ter efectuado vários ataques à bomba por correio contra aqueles que ele percepcionava como sendo os “arquitetos da nova ordem mundial”, e ainda que as suas acções sejam totalmente ou parcialmente condenadas por alguns anarquistas, Ted Kaczynski é em grande medida apoiado como um “prisioneiro político” no meio anarquista insurreccionário verde, e o seu manifesto tem um enorme relevo na corrente política eco-anarquista. Nele podemos ler a seguinte passagem:
Se forem permitidas às máquinas fazer todas as suas próprias decisões, nós não podemos fazer qualquer conjectura quanto aos resultados, porque é impossível adivinhar como tais máquinas poderão se comportar. Apenas assinalamos que o destino da raça humana estaria à mercê das máquinas. Pode ser argumentado que a raça humana nunca seria tola o suficiente para passar todo o poder para as máquinas. Mas nós não estamos nem a sugerir que a raça humana voluntariamente abdicaria do poder para as máquinas nem que as máquinas obteriam o poder por vontade. O que nós sugerimos é que a raça humana pode facilmente permitir-se a deslizar para uma posição de dependência tal das máquinas que não teria escolha viável senão a de aceitar todas as decisões das máquinas. Enquanto a sociedade e os problemas que enfrenta se tornam mais e mais complexos e as máquinas se tornam mais e mais inteligentes, as pessoas deixam que as máquinas tomem mais decisões por elas, simplesmente porque decisões feitas por máquinas trazem melhores resultados do que as feitas por homens. Eventualmente um estágio poderá ser atingido no qual as decisões necessárias para manter o sistema em funcionamento serão tão complexas que os seres humanos serão incapazes de as tomar inteligivelmente. Nesse estádio as máquinas estarão em controlo efectivo. As pessoas não poderão desligar as máquinas, porque elas estarão tão dependentes destas que desligá-las traduzir-se-ia em suicídio.
Por outro lado, é possível que o controlo humano sobre as máquinas seja retido. Nesse caso o homem médio poderá ter controlo sobre certas máquinas privadas dele, tal como o seu carro e o seu computador pessoal, mas o controlo sobre o amplo sistema de máquinas estará nas mãos de uma pequena elite. – tal como está hoje, mas com duas diferenças. Devido a técnicas aperfeiçoadas a elite terá maior controlo sobre as massas; e visto que o trabalho humano não será necessário, as massas serão supérfluas, um inútil fardo para o sistema.[…] Eles certificar-se-ao que as necessidades físicas de todas as pessoas são satisfeitas, que todas as crianças são criadas sob condições psicologicamente higiénicas, que todas as pessoas têm um hobby recompensador que os mantenha ocupados, e que todas as pessoas que poderão se tornar insatisfeitas sejam sujeitas a “tratamento” para curar o seu “problema”. Claro que, a vida será tão vazia de sentido que as pessoas terão de ser biológicamente ou psicologicamente engendradas […] Estes seres humanos artificialmente projetados poderão ser felizes nesta sociedade, mas eles certamente não serão livres. Eles serão reduzidos ao status de animais domésticos.”

Alguns sinais do argumento do Unabomber na cultura popular

Desde os primordios da construção da maquina industrial que tem havido homens que se opuseram a ela, seja esta por uma tomada de posição consciente que marcou as ideias dos homens, seja por acção directa contra os seus elementos materiais, ou seja através do produto da nossa cultura expressa na arte.
Desde o ínicio do último século que vários livros de ficção procuram explorar a força das novas tecnologias, trazidas pela idustrialização, e de como estas se tornaram o guião para abosulta alienação e o esvaziar da liberdade humana. De entre os livros que descrevem distopias industriais contam-se os clássicos literários “Admirável Mundo Novo” e “1984”, entre outros.
No cinema também têm surgido muitas manifestações de desalento pelo modo de vida da sociedade industrial e de como esta nos conduz a um abismo marcado pelo controlo da vida na depedência da tecnologia. Os filmes “Fight Club”, “Matrix”, “V for Vendetta”,” Metrópolis”, “Blade Runner”, “THX 1138”, “1984” e “Brazil, o filme” são exemplos.

Relação do anarquismo verde com outras correntes anarquistas

O anarcoprimitivismo não é propriamente uma outra vertente, independente em relaçao ao eco-anarquismo. É importante notar, porém, que este termo também não representa um sinônimo. Se por um lado, todos os anarco-primitivistas são eco-anarquistas, nem todos os eco-anarquistas são anarco-primitivistas, ainda que esta, seja, talvez, a vertente mais representante desta corrente. Tendo identificado o industrialismo como expressão da injustiça social que decorre da divisão do trabalho e da repressão hierarquizada que daí advém para manter o sistema em funcionamento, comum a qualquer anarquista verde, o desenvolvimento da análise dos seus fundamentos, divide, como seria de esperar, os diferentes autores. Assim, o anarcoprimitivismo, pode ser identificado, acima de tudo, pela sua crítica à cultura simbólica, que poderá não ser partilhada, a diferentes níveis, por todos os eco-anarquistas. Regularmente é apontado como exemplo, Kaczynski como sendo um autor meramente critico da sociedade industrial, não correspondendo exactamente à mesma linha de John Zerzan, um anarco-primitivista. Esta critica é, por vezes, algo exagerada, já que não nos podemos esquecer que, em todo o caso, também o Unabomber, no seu manifesto, nos aponta para a vida selvagem como alternativa ao modo de vida da sociedade tecno-industrial. Ainda assim, este poderá representar um bom ponto de discussão nesta matéria. O ponto que realmente divide estes autores, e que pode ser uma boa base para a compreensão da extensão e aprofundamento do anarcoprimitivismo em relaçao ao anarquismo verde de um modo geral, é explorado no texto do colectivo Green Anarchy “Place the Blame Where It Belongs”, que surgiu como resposta crítica ao texto de Kaczynski, “Hit Where Hit hurts”. Nele podemos ler:
[…]Racismo, sexismo, homofobia e pobreza não são “questões não-essenciais” para nós, como parecem ser para Ted; heterosexualidade compulsiva, comformidade sexual socialmente imposta, racismo, misogenia, e divisão de classes são tudo produtos de uma estrutura de poder hieraquica, patriarcal, e nenhum destes problemas poderá alguma vez ser resolvido dentro do contexto da civilização. Não é a “tecnologia, acima de tudo, que é responsável pela corrente condição do mundo”, como o Ted alega – é a civilização/patriaquia – e se nós queremos desmantelar a megamáquina tecnológica que está agora a devorar a nossa biosfera, então nós precisamos de compreender de como a megamáquina surgiu, o que conduziu à sua criação, e de como serve os interesses dos governantes da civilização.
[…] Nós sentimo-nos compelidos a dizer que a análise do Ted da patriaquia e civilização é seriamente faltosa. […] Simplesmente e somente removendo a tecnologia como a resposta total libertária é uma limitada aproximação mecanicista. Nós enfrentamos uma totalidade de dominação que oprime toda a vida e nós precisamos de tentar ver a grande figura. Para a tranformação anti-autoritária, muitas lutas são necessárias e precisam de ser respeitadas, acompanhadas com uma consciencia da subjacente conectividade.

Anarquismo Clássico

Os eco-anarquistas procuram apontar para a necessidade de compreender para lá da visão, que eles consideram superficial, de analisar as questões meramente em termos de poder politico na tradição classica do anarquismo, e defender aquilo que eles consideram ser a visão mais global do domínio da vida a todos os níveis, que a natureza do homem hoje enfrenta. Daí a necessidade da defesa do homem no ecossistema, passando sempre pela consideração da sua sustentabilidade no mundo natural e a reclamação do mundo selvagem.

Anarquismo Ecologista

O eco-anarquismo não é, simplesmente, anarquismo com preocupações ecológicas. Desde sempre que em toda a tradição anarquista houve, de alguma forma, uma crítica em defesa do ambiente. É a ideia de que a luta contra a exploração capitalista nos atinge nos mais diversos modos, e que as pessoas ao não se organizarem em beneficio proprio, enfretam a degradação, e o ambiente é uma dimensão desse assalto, que existe apenas para o beneficio materialista de alguns.
O anarquismo verde vai um pouco mais longe do que isto, e considera esta análise, em relação ao ambiente, tão mecanicista como a análise do poder politico por parte dos anarcossindicalistas. O anarquismo verde, mais do que defender um mundo aparentemente mais “verde”, ou certas expressões superficiais de uma natureza intacta, defende uma integração absoluta e necessaria no ecossistema, abandonando por completo os valores de comodidades liberais da sociedade autoritária.

Anarcopacifismo

Certos sectores anarquistas defendem que o pacifismo é uma expressão natural desta doutrina visto que a violência acarreta uma resposta ainda mais repressiva do sistema. Para os eco-anarquistas, o problema é que as condições para um aumento de controlo e uma resposta natural das pessoas, independentemente de serem anarquistas ou não, já estão criadas. Assim passamos de sucessivos niveis de controlo que uma vez atingidos muito dificilmente podem retroceder. Kaczynski, no seu manifesto, descreve numa passagem, entre várias, um retrato que dá conta desta realidade:
Imagine uma sociedade que sujeita as pessoas a condições que as torna terrivelmente infelizes, depois dá-lhes drogas para lhes tirar a sua infelicidade. Ficção científica? Já está a acontecer em alguma extensão na nossa sociedade. É bem conhecido que o nível de depressão clinica tem estado a aumentar em recentes decadas. Nós acreditamos que isto se deve à perturbação do processo de poder […] Mas mesmo que nós estejamos errados, o progressivo aumento do nivel de depressao certamente resulta de ALGUMA condição que existe na sociedade de hoje. Em vez de remover as condições que tornam as pessoas deprimidas, a sociedade moderna dá-lhes drogas antidepressivas. Em efeito, os antidepressivos são um modo de modificação do estado interno do individuo de forma a que lhe permite tolerar condições sociais que em outro caso ele acharia intolerável. (Sim, nós sabemos que a depressao é muitas vezes de origem puramente genética. Nós estamos a referirmo-nos aqui aqueles casos em relaçao aos quais o ambiente tem o papel predominante.)