Estupro e violência doméstica

Estupro e violência doméstica.

“O mínimo de leis e mais conscientização, entenda que Anarquia vai além de uma ideologia política, é preciso primeiro a evoluir a mente humana.”

Violência doméstica e sexual ocorrem em excesso em nossa sociedade, e mesmo na ausência de governo e de capitalismo, essas formas de violência permanecerão caso não sejam abordadas especificamente. Atualmente, muitas formas de violência sexual e doméstica são comumente toleradas, algumas são sutilmente estimuladas por mídias cinematográficas, igrejas e outras instituições tradicionais. Filmes frequentemente torna o estupro sexualizado e, junto com a mídia corporativa e a maioria das grandes religiões, glorifica a passividade e a subserviência das mulheres. No discurso que essas instituições influenciam, o grave do problema do estupro conjugal é ignorado, e como resultado disso, muitas pessoas ainda acreditam que um marido não tem como estuprar sua esposa porque ambas as partes estão ligadas por uma união sexual contratual. Noticiários e filmes regularmente apresentam o estupro como um ato cometido por um estranho, nessa versão, a única esperança de uma mulher é ser protegida pela polícia ou pelo namorado. Mas, na realidade, a maioria esmagadora de estupros é cometida por namorados, amigos e membros da família, em situações que se encontram na área nebulosa entre as definições tradicionais de consentimento e força. De um modo mais frequente, os filmes ignoram os problemas do estupro, do abuso e da violência doméstica em conjunto, enquanto perpetua o mito do amor à primeira vista. Nesse mito, o homem conquista a mulher e ambas as partes satisfazem todas as necessidades emocionais e sexuais uma da outra, criando um par perfeito sem precisar conversar sobre consentimento.

A polícia e outras instituições que pretendem proteger as mulheres do estupro as aconselham a não resistir por medo de provocar os agressores, mesmo quando todas as evidências e o senso comum sugerem que a resistência é quase sempre a melhor chance que uma mulher tem. O Estado raramente oferece cursos de autodefesa para mulheres, mas frequentemente julga mulheres que matam ou ferem seus agressores em legítima defesa. Pessoas que vão até o Estado para denunciar agressões físicas e sexuais encaram humilhações adicionais. Tribunais questionam a integridade moral e a honestidade de mulheres que corajosamente tornam públicos as agressões sexuais sofridas, juízes premiam pais abusivos com a custódia das crianças, a polícia ignora chamados de violência doméstica, até mesmo ficam aguardando enquanto maridos batem nas esposas. Alguns regulamentos locais requerem que a polícia detenha alguém, ou mesmo ambas partes envolvidas, no caso de uma chamada de violência doméstica, é frequente uma mulher ser ela mesma enviada para a prisão após pedir ajuda. Pessoas transgêneras, são traídas ainda mais, pelo sistema legal, que se recusa a respeitar suas identidades e frequentemente as coloca de maneira forçada em celas com pessoas de gênero diferente.

Uma grande quantidade de abuso indiretamente causada pelas autoridades é o resultado de pessoas descontando sua raiva em quem está abaixo delas na hierarquia social. Crianças, que costumam estar na base da pirâmide, recebem boa parte desse abuso em última instância. Autoridades que deveriam mantê-las em segurança (pais, parentes, padres, professores) são os seus abusadores mais prováveis. Procurar ajuda muitas vezes apenas torna tudo pior, porque, em nenhum momento, o sistema legal permite que essas pessoas tomem de volta o controle de suas vidas, mesmo quando é esse controle que sobreviventes de abuso mais precisam. Em vez disso, cada caso é decidido por assistentes sociais e juízes que têm pouco conhecimento da situação e centenas de outros casos para passar por sua arbitragem.

O paradigma atual de castigar quem comete ofensas e ignorar as necessidades das vítimas se provou um enorme fracasso, e um aumento de aplicações das leis não mudaria isso. Pessoas que cometem abusos frequentemente foram elas mesmas vítimas de abuso, enviá-las para um presídio não diminui a probabilidade delas agirem de forma abusiva novamente. As pessoas que sobrevivem ao abuso podem se beneficiar de um espaço seguro, mas enviar quem cometeu o abuso para a cadeia acaba com a chance de reconciliação, e se houver dependência financeira da parte que abusou, como frequentemente é o caso, elas podem escolher não denunciar por medo de terminar desabrigadas, pobres ou em orfanatos. Portanto, devemos evoluir a mente humana no sentido de conscientizar sobre a necessidade do consentimento do próximo e de trabalhar a comunicação ao navegar por fronteiras emocionais e sexuais.

Texto original: http://theanarchistlibrary.org/…/peter-gelderloos-anarchy-w…
Adaptado por Cesar Azevedo