Anarquia e Cristianismo: Uma Afinidade Eletiva

Quando falamos de Anarquia e Cristianismo, logo identificamos duas doutrinas antagônicas. A primeira é uma doutrina política, libertária e materialista. A segunda, mística, metafísica e dogmática. Porém, ambas se encontram no pensamento de Liev Tolstói, que interpreta o Evangelho de uma forma moralmente radical, livre do caráter sobrenatural das Escrituras, e desenvolve argumentos muito próximos à ideologia anárquica de um Bakunin, de um Proudhon e de um Thoreau. Essa simbiose pode ser explicada através de um conceito presente na sociologia: a Afinidade Eletiva. Entende-
se por “Afinidade Eletiva”  um movimento de convergência capaz de se chegar a uma fusão entre duas configurações sociais ou culturais. O termo aqui não é sinônimo de influência ou correlação, mas sim um conceito que nos permite explicar processos de interação irredutíveis à causalidade direta. A expressão é oriunda de alquimistas medievais, mas é Max Webber que a emprega numa perspectiva sociológica para analisar a relação entre a religião e o ethos econômico. O termo já mencionado ganha fundamentação na clássica obra: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Em 1989, o cientista social Michel Löwi lança no Brasil o livro: Redenção e Utopia: O Judaísmo Libertário na Europa Central, que analisa, utilizando-se da “Afinidade Eletiva” para entender a ligação entre, o messianismo e as ideias libertáriasde um grupo de intelectuais judeus que surge, na Europa Central, no fim do século XIX.Um objetivo similar está presente neste trabalho, que estuda o anarquismo contido na forma em que o Evangelho é entendido por Tolstói. Ao se converter, o escritor russo sequer imaginaria que a sua experiência espiritualista o conduzisse ao legítimo anarquismo. Isso só acontece quando a “Não Resistência” passa a ser rigidamente observada por ele. A pesquisa trata de uma temática pouco explorada e se utilizou do método bibliográfico para sua execução. O Reino de Deus Está em Vós é o principal livro analisado, além de outros escritos tolstoianos e também de outros clássicos de notáveis anarquistas. A estrutura do trabalho se dá em três capítulos: O primeiro deles faz uma breve conceituação da doutrina anárquica e em seguida se propõe a correlacionar o pensamento de Bakunin e Proudhon com o do próprio Tolstói. Nele, também é sugerido que antes mesmo de se “converter” ao cristianismo, seus renomados romances já traziam as contestações necessárias para taxá-lo como subversivo.O segundo capítulo aborda o preceito da Não Resistência e a condenação de todo e qualquer tipo de violência. Essa é a razão do anti-estatismo em Tolstói, poiso Estado nada mais é do que o detentor do monopólio legal da violência, e o cristianismo, em sua concepção verdadeira e mais racional, deve destruir o governo. Por fim, o terceiro capítulo: trata da Desobediência Civil, como uma armaeficaz para extirpar o Estado e ver a sociedade totalmente livre da opressão. Nesse ponto, Thoreau e Tolstói são bem próximos: é preciso ignorar o Estado para vê-lo ruir. Não há método de combate mais eficiente que este, pois sua adesão em massa impossibilitaria os governos de deter uma revolução organizada e pacífica.