15 de Outubro – Dia do Professor – A história de um mestre. Há 62 anos, 300 pessoas foram alfabetizadas em 40 horas
Há sessenta anos, o educador pernambucano Paulo Freire teve a oportunidade de colocar em prática pela primeira vez em larga escala o método inovador de alfabetização que vinha desenvolvendo. Ele foi convidado pelo governo do Rio Grande do Norte para organizar uma iniciativa-piloto na cidade de Angicos, na época com quase 10 mil habitantes, dos quais 70% eram analfabetos. No Brasil, 39,6% da população total de 70 milhões de habitantes era analfabeta, de acordo com o Censo de 1960.

A experiência em Angicos começou em 18 de janeiro de 1963. Foram criados quinze “círculos de cultura”, como Freire preferia chamar as aulas de alfabetização – para receber as pessoas que se inscreveram, de artesãos a agricultores, de empregadas domésticas a pedreiros. Os alunos tinham entre 6 e 72 anos.
Os círculos de cultura foram instalados em escolas, residências e até em uma maternidade, conta André Gravatá na edição deste mês da piauí. As aulas aconteciam depois do horário de trabalho, a partir das sete da noite. Ex-alunos contam que, como não havia carteiras escolares suficientes, alguns levavam suas próprias cadeiras ou tamboretes. Trezentas pessoas foram alfabetizadas em 40 horas de curso.
O sucesso da iniciativa levou o presidente João Goulart à cerimônia de encerramento em Angicos, em 2 de abril de 1963. Pouco depois, Paulo Freire foi convidado por Goulart para liderar o Programa Nacional de Alfabetização (PNA), com uma meta audaciosa: alfabetizar 5 milhões de pessoas.
Enquanto isso, um rumor se espalhava em Angicos: que Paulo Freire era comunista e que os alunos deveriam queimar os cadernos para não serem presos. Os boatos e ameaças eram sinais do que viria a seguir: o golpe militar e a ditadura, que interrompeu o PNA, prendeu Freire por 72 dias, acusando-o de trabalhar contra os interesses da nação, e impôs seu exílio, que durou dezesseis anos.
O episódio ocorreu há exatos 40 anos, em Angicos, interior do RN, e ilustra a importância do recifense Paulo Freire como principal educador brasileiro e nome fundamental para a pedagogia no século XX. Na ocasião, um grupo de 300 alunos da região assistia à última aula, que completaria a jornada de 40 horas de um projeto de alfabetização para adultos.
O local estava repleto de jornalistas e de grandes lideranças políticas – a aula final ficou sob a responsabilidade do presidente João Goulart, que definiu como tema “o Ato democrático de ler a Constituição”. A palestra condecorou as atividades daquela semana, hoje considerada um marco na história da educação no País, por comprovar a viabilidade e eficiência do modelo pedagógico desenvolvido por Freire durante a década de 50, modelo onde a leitura das palavras é ensinada em concomitância com uma “leitura crítica do mundo”. Por conseguinte, ao término do processo, formam-se alfabetizados e cidadãos.
Professor de Português na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Freire desenvolveu sua filosofia pedagógica a partir de várias experiências com movimentos populares. Na sua concepção, a palavra deve ser sobretudo vivenciada: a educação é um processo dinâmico e histórico através do qual o indivíduo toma consciência de seu lugar no mundo. Uma educação para a liberdade completa do sujeito, a exemplo do que ilustra o título de seu livro mais famoso “Pedagogia do Oprimido”. Às sessões onde suas teorias eram postas em prática Freire batizou com o sugestivo nome de “Círculos de Cultura”, porque durante as aulas discutia-se cultura em simultaneidade com o processo de alfabetização.
Para celebrar a data e a memória do grande educador, a direção do Museu do Ceará agendou uma extensa programação para hoje, sob a designação “40 Horas Paulo Freire – 40 anos depois”. “Freire já desenvolvia sua metodologia, mas Angicos foi a primeira grande experiência coletiva e com grande visibilidade a comprovar a excelência de suas idéias. João Goulart gostou tanto que convidou o educador para integrar o Ministério da Educação”, argumenta o historiador Régis Lopes, diretor do Museu.
A proposta do governo federal era ousada e providencial: 20 mil Círculos de Cultura seriam instalados no País, para alfabetizar cerca de dois milhões de brasileiros. O sonho do pedagogo desmoronou com o golpe de 1964 e a desconfiança do governo militar – era educação em demasia, concluíram os ditadores. Freire foi preso e expulso de sua pátria. Morou em vários países e suas idéias cativaram intelectuais de todo o mundo. Com a anistia, retornou ao Brasil para dar continuidade aos seus projetos. Prosseguiu em seu esforço até o dia 2 de maio de 1997, quando faleceu.
Mas o exemplo vitorioso de Angicos permanece ativo. As comemorações da data no Museu do Ceará terão início às 16h, com a mesa redonda “Memórias de Paulo Freire no Ceará”, composta pelos pesquisadores Luíza de Teodoro, Rute Cavalcante e Lúcia Alencar. Às 17h30, outro momento especial: será lançado o “Projeto Patativa”, um programa permanente de alfabetização de adultos, que utilizará o espaço do Museu como instrumento pedagógico, desenvolvido em parceria pela instituição e a Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza.
Via: Revista Piaui


