Ciro Gomes: O intelectual da ordem, o rebelde domesticado
Ciro Gomes é sem dúvida, um dos políticos mais inteligentes e articulados da cena brasileira. Domina com maestria o discurso técnico, tem amplo conhecimento sobre economia, direito e políticapública. Fala com a segurança de quem estudou, de quem viveu os bastidores do poder e sabe operar seus códigos. Porém, essa mesma habilidade que encanta, também revela o paradoxo central de sua trajetória: um homem que pensa fora da caixa, mas vive de dentro dela.
Ciro se vende como alternativa ao caos, um gestor nacionalista, um “homem do projeto”, o único que entende o que está acontecendo e como resolver. Sua fala raivosa contra o sistema bancário, contra o neoliberalismo, contra a colonização econômica do Brasil, soa promissora para ouvidos cansados de bajuladores do capital. Mas ao final de cada discurso inflamado, o que ele oferece é a velha promessa de um Estado forte, centralizado, “com autoridade”, um Estado que continuará decidindo por nós.
Ele não propõe desmontar a máquina de dominação, apenas lubrificá-la melhor. Seus planos são meticulosamente pensados… para manter as engrenagens funcionando. Seu ideal de Brasil é uma “ordem desenvolvimentista”, onde o povo volta a sonhar, mas sempre sob a tutela de um governo que sabe mais, que decide mais, que centraliza mais. O Ciro que xinga banqueiros é o mesmo que defende com fervor a estrutura estatal. O Ciro que critica Lula e Bolsonaro com palavras cortantes, jamais critica o próprio palco em que todos atuam: o Estado, o poder hierárquico, a domesticação das massas.
O máximo da sua rebeldia é querer ser o novo gestor do cativeiro nacional, aquele que vai tornar o cárcere um pouco mais confortável. Mas liberdade não é conforto. Liberdade não é gestão. Liberdade é ruptura. Talvez um rebelde de paletó, Ciro é o típico “rebelde que deu certo”: fala grosso com os donos do sistema, mas sonha em ser aceito por eles. Já ocupou ministérios, foi governador, deputado, prefeito, e em todos os cargos, jamais desafiou o real cerne da dominação: a centralização do poder, a dependência do povo em relação ao Estado, o controle da vida coletiva por meio da autoridade institucional.
É um crítico da oligarquia, mas não da lógica de mando! É um defensor da soberania, mas jamais da autogestão. Seu discurso pode até inspirar a indignação, mas conduz à obediência. Porque no fundo, Ciro não quer acabar com o sistema; quer ser o comandante dele, sempre de joelhos com palavras bonitas, sim,
Ciro Gomes é brilhante! Mas é o brilho de um sol que não aquece a liberdade. É o orador do possível, o engenheiro da ordem, o gênio da manutenção. Sua luta não é contra o sistema, mas pela sua melhoria gerencial. Como tantos outros, acredita que a opressão pode ser administrada com ética. Que o lobo pode cuidar do rebanho. Que o Estado pode libertar. Mas não pode.
E como diria Bakunin: “o Estado é sempre o altar onde se sacrifica a liberdade do povo.” E Ciro, por mais livros que leia, por mais planos que trace, por mais “estudos/dados” que aponte, continua rezando neste altar, com a mão erguida e o joelho dobrado.
Ciro, com seu discurso afiado, é o arquétipo de um homem que, embora saiba dançar com as palavras, ainda se curva diante da força invisível que rege o jogo. Como todos os outros antes dele, promete uma revolução, mas só oferece o polido verniz da ordem. Seu brilho é a chama de uma vela que, ao tentar iluminar a escuridão, apenas reafirma a sombra do que tenta apagar. A revolução não virá de quem se encanta com o poder, nem de quem se oferece ao sistema como solução. Ela não é gerida por mentes brilhantes que tecem planos dentro dos muros do Estado, mas por corações que queimam fora deles, por mãos que não buscam o trono, mas a terra.
O destino é um ciclo vicioso, onde o poder muda de rostos, mas nunca de essência. Ciro, como todos, é apenas mais uma peça no tabuleiro que nunca toca na raiz da opressão. O sistema se recicla, mas continua a servir a si mesmo, não ao povo. A verdadeira liberdade não se encontra nos discursos, mas nos gestos diários de quem se recusa a ser governado. A revolução não vem dos palácios, mas da desobediência, do abandono do controle. A verdadeira liberdade será quando a autoridade não for mais necessária, quando a autonomia e a ação coletiva forem a única regra. E até lá, o ciclo se repete, fluido, insurrecionário, imortal.
Que a desobediência seja nossa língua, a rebeldia, nossa cultura. Onde houver autoridade, que haja resistência. E onde houver regras, que haja poesia!
Paz entre nós, guerra aos senhores!
Aut rex, aut nihil
(Ou rei, ou nada)


