Aonde conduzem os paliativos – Piotr Kropotkin

O que dissemos no artigo precedente em relação às associações de consumo e de produção, também se aplica a todos os paliativos econômicos aos quais recorreram na corrente deste século.

O que se podia escolher de melhor – de mais humano e mais social – que o princípio da associação? Pela associação, o mundo animal, inclusive o homem, conseguiu proteger a espécie contra as forças hostis da natureza – inanimadas e animadas. Por ela, o homem decuplica suas forças. Nela, ele desenvolve sua inteligência, acumula o saber, cria os hábitos sociáveis – suas armas mais preciosas para a conservação e o desenvolvimento da espécie.

Mais do que isso. Como podemos conceber a sociedade futura senão sob a forma de milhares de associações, surgindo segundo as necessidades do momento, vivendo o que podem viver, entrelaçando-se e protegendo-se umas as outras de mil maneiras, como uma rede de malhas cerradas e fios infinitamente numerosos, aliando-se, unindo-se, agrupando-se e dissolvendo-se segundo as necessidades, os gostos e os caprichos pessoais e coletivos, buscando a harmonia na diversidade e na satisfação das necessidades, dos gostos e dos caprichos infinitamente variados dos homens?

Força e melhor elemento de progresso no passado, forma do futuro – eis a associação. Porque ela chegou, então, nesses resultados lastimáveis? Por que não pôde ao menos desenvolver essa corrente de ideias que o socialismo em geral, e a Anarquia em particular, tiveram de criar lado a lado, mantendo-se apartados, protegendo-se, inclusive, da associação?

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Porque ela buscou combinar dois princípios opostos – o comunismo e o egoísmo estreito, mal pensado, do indivíduo, – o que a fez sucumbir fatalmente sob o peso deste.

Porque ela era um grupo fechado, que buscava sua emancipação sem se ocupar com a emancipação de todos.

Porque ela baseou-se sobre o princípio do salário, a retribuição segundo as obras, e a satisfação das necessidades segundo a força de compra dos salários.

No começo, o comunismo e a associação, nascidos de um mesmo desejo, partiam do mesmo ponto. Mas um permaneceu universal. Para todos, ele declarou o direito de satisfazer suas necessidades, sem outra limitação senão a produtividade do trabalho humano. Ele lançou ao mar o salário bem como os “bônus de trabalho”, porque compreendia que o salário foi o ponto de partida da servidão. Ele negou a posse por alguns de tudo o que serve para produzir, seja como local ou instrumento de trabalho, seja como necessário para manter a vida e o trabalho (casa, moradia, vestimenta).

A outra – a associação – conservou tudo isso. Ela não visou à universalidade, acomodou-se com o salário, aceitou a propriedade privada do que serve para produzir.

E, forçosamente, conquanto partidos do mesmo ponto, elas caminharam em duas direções divergentes, separando-se cada vez mais, – a associação caindo cada vez mais na corrente burguesa, ao passo que o comunismo, continuando a desenvolver-se, acrescentou uma nova negação – o Estado – às precedentes, um novo ideal – a sociedade sem governo – a seu ideal de sociedade sem capitalistas.

E tão logo a corrente do pensamento do século começou a atacar até a própria classe burguesa, a associação viu-se também forçada a entrar timidamente na mesma corrente, assim como contamos no número precedente.

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Estas poucas reflexões permitem melhor apreciar todos os outros paliativos em voga neste momento; caixas de aposentadoria para a velhice, taxa dos salários fixados pelo Estado, socialismo comunal e o resto.

Não só todos eles tendem a reforçar o Estado, isto é, a perpetuar a dominação de alguns e o enriquecimento das minorias pelo orçamento, às expensas das maiorias pagando o imposto; não só eles reforçam assim a fortaleza do capital – o Estado – e tornam ainda mais difícil a luta sobre o terreno político; mas todos esses paliativos estão fatalmente condenados a cair, assim como a associação, na corrente burguesa, se a corrente comunista (e anarquista) não se desenvolver lado a lado – pura e simples, austera e recusando todo compromisso, intratável e universal – como o fez até hoje.

Só essa corrente, que gostam de chamá-la de “teórica” (provavelmente porque ela conduz de modo mais prático ao objetivo, forçando até os amantes de paliativos a vir juntar-se a ela, após ter feito uma excursão ao mundo burguês), só essa corrente pode modificar as ideias de modo a conduzir ao objetivo que nos propomos alcançar. Todos os outros, construídos sobre dois princípios opostos, dos quais um é emprestado do comunismo, e o outro do mundo burguês, são levados pela força das coisas, pela força do mundo burguês no qual eles vivem, a ser vencidos por essa corrente, a assumir sua máscara e sua substância.

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Foi o que aconteceu com a associação, e que já se vê com o socialismo comunal.

O que de mais justo, segundo parece, de início, do que ver a comuna (no fundo, o conselho municipal) encarregar-se de fornecer aos habitantes, a preço de custo, os tramways, os banhos, o gás, a água, e, ainda, as casas, o pão, a carne e o resto? O que de mais justo teoricamente? Em teoria, ir-se-ia muito longe: acabar-se-ia por crer que, desse modo, conseguir-se-á afastar todos os intermediários e, até mesmo, eliminar os capitalistas da indústria e da agricultura. Não está provado, com efeito, pela experiência de tantas cidades inglesas, que, aqui o gás, lá os tramways, alhures as casas, são fornecidos a preço mais módico pela municipalidade do que pelas companhias privadas e pelas concessões? Está provado, números à mão, pela experiência.

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Entretanto, embora nascido apenas ontem, embora apenas se exercitando em seus primeiros esboços, o socialismo municipal já cai em cheio no regime burguês. Toma dele todos os seus aspectos, penetra-se de seus princípios. Bebe na mesma fonte, e suas consequências já são percebidas. Ele fala e age como burguês.

Com efeito, assim como a associação, ele busca o compromisso entre os princípios burgueses e autoritários e aqueles do comunismo anarquista. Ele quer fazer comunismo, mas o fará mantendo os salários, contraindo empréstimos como os burgueses contratam, tratando seus operários como os burgueses tratam, e mantendo, ao mesmo tempo, todo o resto: a propriedade fundiária, o juro sobre o capital, a autoridade.

Mais do que isso: ele consagrará esses princípios por sua autoridade.

E logo acontecerá que, para recomprar, por exemplo os terrenos sobre os quais a comuna desejará construir banhos [públicos] ou casas, ela deverá pagar ao burguês em proporções tão loucas que a cidade será devorada por seus credores, como Paris ainda o é pelos credores de Haussmann. Será necessário, então, reduzir as melhorias. E como cada melhoria faz subir os preços dos aluguéis e relega cada vez mais o operário nos subúrbios distantes ou insalubres, será preciso construir novos tramways, metrôs etc., fazer novos empréstimos, sem jamais conseguir preencher esse tonel das Danaides.

Para fazer barato, a comuna deve também escolher os melhores operários, e o faz tão bem que o homem com mais de quarenta anos não encontra mais trabalho nos canteiros da comuna. Desse modo, novas despesas devem ser feitas para empregar ou alimentar desocupados. E assim por diante.

Em resumo, embora ainda em sua lua de mel, o socialismo municipal já assume todos os aspectos, a linguagem, o modo de pensar do modo burguês. Ele transforma o operário em um funcionário a mais, multiplica de modo pavoroso o número daqueles que vivem às expensas dos produtores manuais… Ele é forçado a cair sempre na mesma via traçada.

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Se ao menos ele pudesse poupar os males de uma revolução! Mas é precisamente o que não pode. Materialmente, ele não pode fazer senão pequenas coisas em escala microscópica. E na ordem das ideias, trabalha para a manutenção da ideia burguesa, dando-lhe a sanção da etiqueta socialista.

A revolução permanece sempre a ser feita nas ideias e nos fatos, e ela deverá ser feita, em toda a sua extensão, em toda a sua grandeza, em toda sua força irresistível.

Mais vale prepará-la honestamente, sem se deixar ninar pelas canções das velhas babás. Mais vale trabalhar pra a propagação da ideia comunista e anarquista pura e simples.

Foi a força e o terror inspirado por essa ideia, sempre crescente, que fizeram nascer todos os paliativos. Sem ela, eles cessariam inclusive de ser paliativos, e tornar-se-iam simples acomodações aos males do regime burguês. E, somente por ela, pode ser colocado um fim a esses males.