A Busca Humana

O que é fundamentalmente buscado por todos os seres humanos é chamado de puruṣārtha em Sânscrito. Embora aparentemente cada pessoa busque coisas diferentes na vida, existem quatro objetivos universais que todo mundo busca – artha, kāma, dharma e mokṣa.

Segurança e Prazer

Qualquer coisa que dê a você qualquer tipo de segurança – emocional, econômica ou social – é chamado de artha em Sânscrito. Segurança pode estar na forma de dinheiro, relacionamentos, um lar, reconhecimento, influência, ou poder de qualquer tipo. Tais realizações apoiam o ego e portanto fornecem alguma segurança para o ego. Embora pessoas procurem várias formas de segurança em tempos diferentes, a busca de segurança é comum a todos.

Buscar prazer é uma outra busca, chamada de kāma em Sânscrito. Qualquer coisa que satisfaça seus sentidos, agrade sua mente, toque seu coração e evoque em você uma certa apreciação é kāma. Qualquer forma de prazer que você obtenha do seu lar ou relacionamento, por exemplo, é kāma. Música e viagens também são kāma e não artha, porque buscando-as você está buscando prazer e não segurança. Você não vai ao Havaí ou às Bahamas para buscar segurança. De fato, você perde alguma segurança, em forma de dinheiro, quando você vai a esses lugares.

O prazer tem muitas formas. Por exemplo, prazeres sensoriais podem ser qualquer coisa, de sorvete em diante. Prazeres intelectuais incluem jogar jogos, resolver quebra-cabeças ou enigmas, e pesquisar campos de estudo. Existe outra forma de prazer vinda de observar as estrelas, por exemplo, ou apreciar uma alvorada, uma flor, uma linda pintura ou uma criança brincando. Porque esse prazer não é nem sensorial nem intelectual, eu vou chamá-lo de prazer estético. Mesmo esses prazeres, que vão além dos sentidos e do intelecto, também são kāma.

Dharma, Como um Objetivo Humano

Há uma terceira busca, dharma, que não é nem artha, segurança, nem kāma, prazer. Em Sânscrito, dharma é uma palavra com muitos significados. Aqui, ela se refere a um sentido de harmonia, à satisfação vinda de ações altruistas como compartilhar ou ajudar outras pessoas. A busca do dharma é diferente da de artha e kāma, porque você normalmente não ajuda outros para obter segurança ou prazer. Quando você encontra alguém precisando de ajuda e você pode aliviar seu desconforto, você se sente feliz. A alegria que você experimenta não é igual ao prazer que você experimenta indo ao Havaí ou a um concerto.

Um médico, que não trabalha apenas por ganhos financeiros, experimenta este tipo de prazer. Fazer trabalho de caridade tem um resultado similar. Aqueles que estão aptos a descobrir alegria neste tipo de serviço fazem isso, eu diria, por causa de uma certa maturidade e entendimento da parte deles.

A satisfação que advém do processo de amadurecimento de alguém é um tipo diferente de alegria. Não machucar alguém ou fazer a coisa certa no momento certo, por exemplo, dá a você alegria – se não agora, depois. Suponha que você tenha adiado fazer alguma coisa como lavar roupas, passar o aspirador ou escrever uma carta. No dia em que você decide fazer isso – e faz isso – você descobre que há uma alegria em finalmente fazer o que devia ser feito, uma alegria que não é prazer nem segurança. É apenas fazer o que é para ser feito, isto é dharma.

Dharma é a medida de sua maturidade, quanto mais maduro você é, mais dharmico você é. Para ser maduro, um entendimento do dharma e estar conforme com ele torna-se da maior importância na vida de alguém, como veremos através da Bhagavadgītā. Então, sem ferir o dharma, fazendo o que é para ser feito você busca segurança e prazer.

Mokṣa: Liberdade

A quarta busca, mokṣa, é liberdade ou liberação. Mokṣa é reconhecida como uma busca por poucas pessoas em qualquer geração. Porque uma certa apreciação, maturidade ou “insight” sobre a vida e suas lutas é necessária para entender moksa, as pessoas não a buscam claramente, embora todo mundo esteja procurando liberdade, de fato.

Embora nós geralmente pensemos em liberdade num sentido muito positivo, a palavra mokṣa é definida num sentido negativo. Se há algo limitando você, do qual você quer tornar-se livre, esta liberdade é chamada mokṣa. Por exemplo, um homem na prisão perdeu sua liberdade de movimento e quer liberdade da prisão. Se alguém está usando muletas por causa de uma fratura na perna, esse alguém deseja libertar-se das muletas. Da mesma forma, uma criança que precisa de ajuda de uma parede ou da mão da mãe quer livrar-se da ajuda externa e esforça-se para ficar de pé por si só. Da mesma forma, mokṣa significa liberdade de algo que eu não quero. Que eu esteja ligado a formas particulares de segurança revela um certo fato sobre mim mesmo – que eu sou inseguro e que desejo ser livre de qualquer senso de insegurança. Indo atrás de certas seguranças, eu não estou buscando as seguranças por elas mesmas. Eu estou procurando libertar-me de ser inseguro. Da mesma forma, quando procuro prazeres isso revela que eu estou agitado e não satisfeito comigo mesmo. Eu tenho que fazer alguma coisa para achar prazer, o que significa que eu quero ser livre do sentimento de insatisfação comigo mesmo.

Se eu estou sempre procurando segurança e prazer, quando eu serei capaz de dizer “Eu consegui!”? Somente quando eu me vejo como uma pessoa segura e satisfeita. Quando eu não mais sinto a necessidade de procurar prazer e segurança, então eu posso dizer que sou livre.

Quando nós analisamos nossas várias buscas – segurança, prazer e até mesmo dharma – nós descobrimos que não buscamos realmente nenhuma delas. Por fim, todos estão buscando apenas moksa, porque liberação de qualquer tipo de sentimento de falta é o que procuramos em nossas buscas.

Mokṣa não quer dizer salvação. De fato, não há nenhuma palavra em Sânscrito para salvação, o que é correto já que salvação implica em certa condenação. Implica que alguém tenha que salvar você, o que não é o que significa mokṣa. A palavra moksa refere-se apenas a libertar-me da noção “Eu sou inseguro” e “Eu estou insatisfeito comigo mesmo”.

Ser livre significa que eu devo ver a mim mesmo como seguro e estar satisfeito comigo mesmo, como eu sou. Somente assim eu serei livre. Se eu estou seguro e satisfeito comigo mesmo, todas as outras buscas tornam-se secundárias porque eu não necessito de segurança ou mudanças de situação para estar seguro e em paz comigo mesmo e na situação na qual me encontro.

Discernindo o Problema

Se você necessita buscar segurança para estar seguro ou buscar prazer para estar bem consigo mesmo, suas buscas serão infinitas. Você vai gastar toda sua vida manipulando o mundo para satisfazer você mesmo. No processo, você vai desobrir que duas mãos e duas pernas, cinco sentidos e uma mente não são suficientes para lidar com todos os fatores envolvidos. Sua mãe tem que ser satisfeita e sua sogra nunca pode ser satisfeita! Há muitos eventos e situações, bem como forças da natureza, sobre as quais você parece não ter controle.

Com seus poderes limitados e seu conhecimento limitado, você descobre que você nunca conseguirá dimensionar as exigências para obter as seguranças e os prazeres que você busca. É por isso que a vida parece um problema. Apenas quando você atinge trinta e nove ou quarenta anos e entra na crise da meia-idade é que você começa a entender isto. Mesmo que você pense que seu casamento ou emprego é sua crise, você é a crise, de fato. Sua crise não tem nada a ver com seu casamento ou qualquer outra situação da sua vida.

Procurar segurança e prazer é muito natural. Para uma pessoa que não analisou suas buscas, segurança e prazer sempre parecem estar fora de si mesmo. “Eu sou inseguro”, por exemplo, é uma conclusão totalmente aceita, uma conclusão que nunca é questionada ou posta em dúvida.

Como criança, minha segurança dependia da constante proteção, amor e cuidado dos meus pais. Agora que sou crescido, a segurança dos meus pais depende de mim, e a minha segurança está em algum outro lugar. Portanto, como criança eu era inseguro e agora eu também sou inseguro. Há uma troca constante no que eu tomo por segurança. Isto é comum a todo mundo. Ninguém, entretanto, merece ter esse problema. Segurança e prazer não são o problema. Que eu careça de algo não é o problema. O problema é que eu careço.

As coisas das quais eu careço sempre mudam: eu careço de uma formação, eu careço de dinheiro, eu careço de filhos, eu careço de netos. Qualquer coisa de que alguém careça é sempre peculiar à própria pessoa num determinado tempo e espaço, e a carência de algo difere de pessoa para pessoa e de cultura para cultura. Entretanto, o sentimento de “Eu careço” é comum a todo mundo.

Existem muitas coisas das quais eu careço. Eu posso carecer de um corpo saudável, um corpo mais alto, um corpo mais magro, um nariz arrebitado, cílios mais longos ou uma cor de pele diferente. E isto pode ser o começo de uma lista sem fim. Quanto mais você tenta obter o que carece, mais você descobre que carece. Isto é como ir a uma loja para comprar algumas coisas que você precisa e voltar para casa com mais alguns desejos a serem preenchidos na próxima semana. É por isso que nós dizemos que o desejo é como o fogo. Não importa o quanto você o alimenta, o fogo nunca diz, “Basta!”. Da mesma forma, eu nunca consigo dizer “Basta!” a seguranças e prazeres porque sempre haverá algo mais do qual careço.

Mesmo se um prazer particular é preenchido, isso não será algo duradouro. Considere, por exemplo, a música. Você compra um disco de uma música de sucesso*. Por que essa música é um sucesso? Porque, como um homem violento, ela tira outras músicas da parada. A música de sucesso do mês passado foi ultrapassada e não é mais um sucesso. Ela agora apenas acumula poeira na sua estante. O que fez você feliz antes não mais proporciona a mesma alegria. Você se cansa de tudo. Mesmo se Deus estivesse perto de você todo o tempo, você iria eventualmente cansar-se Dele. Esta mudança constante é natural, porque você está basicamente insatisfeito consigo mesmo.

Se você fechar as portas, deixar o mundo para trás e sentar-se numa cadeira confortável, você descobrirá se está ou não satisfeito consigo mesmo. Você descobrirá que você não necessita de um mundo de objetos, um mundo de livros ou o que quer que seja para estar insatisfeito. Tudo que você necessita é você mesmo. Depois de alguns minutos sentado com você mesmo, você vai querer levantar e ligar o rádio ou fazer alguma coisa.

Para estar insatisfeito, portanto, não é necessário nada além de você mesmo. Não é o mundo que não satisfaz você, você é insatisfeito com você mesmo. E porque qualquer segurança ou prazer são limitados por natureza – em termos de tempo, espaço e conteúdo – aquele que está insatisfeito assim permanece a despeito de momentos de prazer ocasionais.

Quando então você irá preencher completamente seus desejos por segurança e prazer ? Eu não estou dizendo que você não deva buscar segurança, este não é o ponto aqui. Nós estamos apenas tentando entender a natureza de nossas buscas. Dinheiro, por exemplo, definitivamente tem seu valor. Mas, se você pensar que há segurança no dinheiro ou em qualquer outra coisa, o processo de busca torna-se infinito.

O eu inseguro, aquele que quer estar seguro, na realidade não se torna seguro pela obtenção de algo que eu considero ser seguro. Por exemplo, enquanto eu necessito de muletas, o sentimento de insegurança permanecerá comigo. Sentir-me seguro porque eu tenho muletas não significa que eu tornei-me seguro. Eu tenho um falso sentimento de segurança por causa das muletas, mas o sentimento de insegurança centrado em mim permanece.

Suponha que eu seja inseguro e que o que eu penso que é seguro seja tão inseguro quanto eu. Quando uma pessoa insegura casa-se com outra pessoa insegura para tornar-se segura o resultado não é segurança. Tudo que resulta é um casamento entre duas pessoas inseguras. Insegurança somada à insegurança não resulta em segurança, apenas resulta em insegurança dupla. Portanto, um eu inseguro somado a qualquer coisa nesse mundo não vai tornar-me seguro.

A Visão de Vedānta

Nós agora já percebemos que o problema é : “Eu sou insatisfeito comigo mesmo”, esse é um fato que não será alterado apenas porque eu consigo momentos de segurança ou prazer. Que eu seja inseguro ou infeliz não muda meramente porque eu adquiro certas seguranças. A única solução é que eu me veja como uma pessoa já segura e aceitável.

Se, com todas essas seguranças e prazeres, eu estou insatisfeito comigo mesmo, como eu poderei ver-me satisfeito ? Nesse ponto é onde o ensinamento chamado de Vedānta vem e diz a você que o problema não está na carência de alguma coisa, mas em não saber que você não precisa de nada. O ensinamento transforma todas as buscas de uma pessoa em uma busca de conhecimento, ou moksa.

Na visão de Vedānta, não há razão para você estar insatisfeito com você mesmo, porque você é totalmente aceitável para você mesmo – não por atitude , mas por fato. Isto não é uma crença; é um fato, um fato que pode ser descoberto. Somente alguma coisa que possa ser descoberta é um fato e o fato a ser descoberto aqui é que você não necessita de nada. Você é totalmente livre. O único problema é que você pensa que falta algo e a solução é que você veja que nada falta. Portanto, o problema é você e a solução é também você. Esta é a visão de Vedānta.

*Swamiji – fez um jogo de palavras entre hit – sucesso, música de sucesso e hit man – homem violento. N.T.

Tradução: Manoel Ferreira Pinto Neto